4
“Que outrem possa louvar esforço alheio,
Cousa é que se costuma e se deseja;
Mas louvar os meus próprios, arreceio
Que louvor tão suspeito mal me esteja;
E para dizer tudo, temo e creio,
Que qualquer longo tempo curto seja:
Mas, pois o mandas, tudo se te deve,
Irei contra o que devo, e serei breve.
“That one praise others’ exploits and renown 4
is honour’d custom which we all desire;
yet fear I ’tis unfit to praise mine own;
lest praise, like this suspect, no trust inspire;
nor may I hope to make all matters known
for Time however long were short: yet, sire!
as thou commandest all is owed to thee;
maugre my will I speak and brief will be.
5
“Além disso, o que a tudo enfim me obriga,
É não poder mentir no que disser,
Porque de feitos tais, por mais que diga,
Mais me há-de ficar inda por dizer.
Mas, porque nisto a ordens leve e siga,
Segundo o que desejas de saber,
Primeiro tratarei da larga terra,
Depois direi da sanguinosa guerra.
“Nay, more, what most obligeth me, in fine, 5
is that no leasing in my tale may dwell;
for of such Feats whatever boast be mine,
when most is told, remaineth much to tell:
But that due order wait on the design,
e’en as desirest thou to learn full well,
the wide-spread Continent first I’ll briefly trace,
then the fierce bloody wars that waged my Race.
6
“Entre a Zona que o Cancro senhoreia,
Meta setentrional do Sol luzente,
E aquela que por f ria se arreceia
Tanto, como a do meio por ardente,
Jaz a soberba Europa, a quem rodeia,
Pela parte do Areturo, e do Ocidente,
Com suas salsas ondas o Oceano,
E pela Austral o mar Mediterrano.
“Atwixt the Zone, where Cancer holds command, — 6
the lucent Sun’s septentrionahmete, —
and that whose frigid horrors freeze the land
as burns the middle Belt with fervid heat,
lies haughty Europe: On her goodly strand,
facing Arcturus and the Ponent, beat
the briny billows of Atlantis plain,
while free t’wards Auster flows the Midland-main.
7
“Da parte donde o dia vem nascendo,
Com Ásia se avizinha; mas o rio
Que dos montes Rifeios vai correndo,
Na alagoa Meotis, curvo o frio,
As divide: e o mar que, fero e horrendo,
Viu dos Gregos o irado senhorio,
Onde agora de Tróia triunfante
Não vê mais que a memória o navegante.
“That part where lovely Dawn is born and bred, 7
neighboureth Asia: But the curved river,
from far and frore Rhipaean ranges shed,
to feed Maeotis-lake with waves that shiver,
departs them, and the Sea-strait fierce and dread,
that owned the vict’ory of the Greek deceiver,
where now the seaman sees along the shore
triumphant Troja’s mem’ories and — no more.
8
“Lá onde mais debaixo está do Pólo,
Os montes Hiperbóreos aparecem,
E aqueles onde sempre sopra Eolo,
E co’o nome, dos sopros se enobrecem.
Aqui tão pouca força tem de Apolo
Os raios que no mundo resplandecem,
Que a neve está contido pelos montes,
Gelado o mar, geladas sempre as fontes.
“There farther still the Boreal Pole below, 8
Hyperborean mountain-walls appear,
and the wild hills where AEolus loves to blow,
while of his winds the names they proudly bear:
Here such cold comfort doth Apollo show,
so weak his light and warmth to shine and cheer,
that snows eternal gleam upon the mountains,
freezeth the sea, and ever freeze the fountains.
9
“Aqui dos Citas grande quantidade
Vivem, que antigamente grande guerra
Tiveram, sobre a humana antiguidade,
Co’os que tinham então a Egípcia terra;
Mas quem tão fora estava da verdade,
(Já que o juízo humano tanto erra)
Para que do mais certo se informara,
Ao campo Damasceno o perguntara.
“Here of the Scythic hordes vast numbers be, 9
in olden day a mighty warrior band,
who fought for honours of antiquity
with the then owners of the Nylus-land:
But how remote their claims from verity,
(for human judgments oft misunderstand),
let him who seeks what higher lore reveal’d
ask the red clay that clothes Damascus-field.
10
“Agora nestas partes se nomeia
A Lápia fria, a inculta Noruega,
Escandinávia Ilha, que se arreia
Das vitórias que Itália não lhe nega.
Aqui, enquanto as águas não refreia
O congelado inverno, se navega
Um braço do Sarmático Oceano
Pelo Brúsio, Suécio e frio Dano.
“Now in these wild and wayward parts be told 10
Cold Lapland’s name, uncultivate Norway,
Escandinavia’s isle, whose scions bold
boast triumphs Italy shall ne’er gainsay.
Here, while ne frost, ne wintry rigours hold
in hand the waters, seafolk ply the way,
over the arm of rough Sarmatic Main
the Swede, the Brusian, and the shiv’ering Dane.
11
“Entre este mar e o Tánais vive estranha
Gente: Rutenos, Moseos e Livónios,
Sármatas outro tempo; e na montanha
Hircínia os Marcomanos são Polónios.
Sujeitos ao Império de Alemanha
São Saxones, Boêmios e Panónios,
E outras várias nações, que o Reno frio
Lava, e o Danúbio, Amasis e Albis rio.
“Between the sea and Tanai’s-stream we count 11
strange races, Ruthens, Moscows, and Livonians, —
Sarmatae all of old, — and on the Mount
Hercynian, Marcomanni, now Polonians.
Holding the empire Almayne paramount
dwell Saxons, and Bohemians, and Pannonians;
and other tribes, wherethrough their currents frore
Rhine, Danube, Amasis, and Albis pour.
12
“Entre o remoto Istro e o claro Estreito,
Aonde Hele deixou co’o nome a vida,
Estão os Traces de robusto peito,
Do fero Marte pátria tão querida,
Onde, colo Hemo, o Ródope sujeito
Ao Otomano está, que submetida
Bizâncio tem a seu serviço indino:
Boa injúria do grande Constantino!
“Twixt distant Ister and the famous Strait, 12
where hapless Helle left her name and life,
the Thracians wone, a folk of brave estate,
Mars’ well-loved country, chosen home of strife:
There Rhodope and Haemus rue the weight
of cursed Othman’s rule with horror rife;
Byzance they hold beneath their yoke indign
great injury working to great Constantine!
13
“Logo de Macedónia estão as gentes,
A quem lava do Axio a água fria;
E vós também, ó terras excelentes
No
s costumes, engenhos e ousadia,
Que criastes os peitos eloquentes
E os juízos de alta fantasia,
Com quem tu, clara Grécia, o Céu penetras,
E não menos por armas, que por letras.
“Hard by their side the Macedonians rest, 13
whose soil is water’ed by cold Axius’ wave:
Eke ye, of ev’ery choicest realm the best,
Lands of the free, the wise, the good, the brave,
that here did breed and bear the facund breast,
and to the world its wit and wisdom gave,
wherewith thou, noble Greece! hast reach’ed the stars,
no less by arts exalt than arms and wars.
14
“Logo os Dálmatas vivem; e no seio,
Onde Antenor já muros levantou,
A soberba Veneza está no meio
Das águas, que tão baixa começou.
Da terra um braço vem ao mar, que cheio
De esforço, nações várias sujeitou,
Braço forte, de gente sublimada,
Não menos nos engenhos, que na espada.
“The Dalmats follow; and upon the Bay 14
where rose Antenor’s walls in while of yore,
superb Venetia builds on wat’ery way,
Adria’s Queen that erst was lowly poor.
Hence seawards runs a land-arm made to sway
forceful the sons of many a stranger shore;
an arm of might, whose Race hath conquer’d time
nor less by spirit than by sword sublime.
15
“Em torno o cerca o Reino Neptunino,
Co’os muros naturais por outra parte;
Pelo meio o divide o Apenino,
Que tão ilustre fez o pátrio Marte;
Mas depois que o Porteiro tem divino,
Perdendo o esforço veio, e bélica arte;
Pobre está já de antiga potestade:
Tanto Deus se contenta de humildade!
“Girdeth her shores the kingdom Neptunine, 15
while Nature’s bulwarks fence her landward side;
her middle width departeth Apennine,
by Mars, her saint and patron, glorified:
But when the Porter rose to rank divine,
she lost her prowess, and her bellic pride:
Humbled she lies with antique puissance spent:
So Man’s humil’ity may his God content!
16
“Gália ali se verá que nomeada
Co’os Cesáreos triunfos foi no mundo,
Que do Séquana e Ródano é regada,
E do Giruna frio e Reno fundo.
Logo os montes da Ninfa sepultada
Pirene se alevantam, que segundo
Antiguidades contam, quando arderam,
Rios de ouro e de prata então correram.
“Gallia can there be seen, whose name hath flown 16
where Caesar’s triumphs to the world are told;
by Sequana ’tis watered and the Rhone,
by Rhine’s deep current and Garumna cold:
Here rise the ranges from Pyrene known,
the Nymph ensepulchre’d in days of old,
whence, legends say, the conflagrated woods
rolled golden streams, and flowed silvern floods.
17
“Eis aqui se descobre a nobre Espanha,
Como cabeça ali de Europa toda,
Em cujo senhorio o glória estranha
Muitas voltas tem dado a fatal roda;
Mas nunca poderá, com força ou manha,
A fortuna inquieta pôr-lhe noda,
Que lhe não tire o esforço e ousadia
Dos belicosos peitos que em si cria.
“Lo! here her presence showeth noble Spain, 17
of Europe’s body corporal the head;
o’er whose home-rule, and glorious foreign reign,
the fatal Wheel so many a whirl hath made:
Yet ne’er her Past or force or fraud shall stain,
nor restless Fortune shall her name degrade;
no bonds her bellic offspring bind so tight
but it shall burst them with its force of sprite.
18
“Com Tingitânia entesta, e ali parece
Que quer fechar o mar Mediterrano,
Onde o sabido Estreito se enobrece
Co’o extremo trabalhado Tebano.
Com nações diferentes se engrandece,
Cercadas com as ondas do Oceano;
Todas de tal nobreza e tal valor,
Que qualquer delas cuida que é melhor.
“There, facing Tingitania’s shore, she seemeth 18
to block and bar the Mediterranean wave,
where the known Strait its name ennobled deemeth
by the last labour of the Theban Brave.
Big with the burthen of her tribes she teemeth,
circled by whelming waves that rage and rave;
all noble races of such valiant breast,
that each may justly boast itself the best.
19
“Tem o Tarragonês, que se fez claro
Sujeitando Parténope inquieta;
O Navarro, as Astúrias, que reparo
Já foram contra a gente Mahometa;
Tem o Galego cauto, e o grande e raro
Castelhano, a quem fez o seu Planeta
Restituidor de Espanha e senhor dela,
Bétis, Lião, Granada, com Castela.
“Hers the Tarragonese who, famed in war, 19
made aye-perturbed Parthenopé obey;
the twain Asturias, and the haught Navarre
twin Christian bulwarks on the Moslem way:
Hers the Gallego canny, and the rare
Castilian, whom his star raised high to sway
Spain as her saviour, and his seigniory feel
Bsetis, Leon, Granada, and Castile.
20
“Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa,
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floresça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora, e lá na ardente
África estar quieto o não consente.
“See the head-crowning coronet is she, 20
of general Europe, Lusitania’s reign,
where endeth land and where beginneth sea,
and Phoebus sinks to rest upon the main.
Willed her the Heavens with all-just decree
by wars to mar th’ ignoble Mauritan,
to cast him from herself: nor there consent
he rule in peace the Fiery Continent.
22
“Esta é a ditosa pátria minha amada,
A qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso, ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela então os Íncolas primeiros.
“This is my happy land, my home, my pride; 21
where, if the Heav’ens but grant the pray’er I pray
for glad return and every risk defied,
there may my life-light fail and fade away.
This was the Lusitania, name applied
by Lusus or by Lysa, sons, they say,
of ancient Bacchus, or his boon compeers,
eke the first dwellers of her eldest years.
22
“Desta o pastor nasceu, que no seu nome
Se vê que de homem forte os feitos teve;
Cuja fama ninguém virá que dome,
Pois a grande de Roma não se atreve.
Esta, o velho que os filhos próprios come
Por decreto do Céu, ligeiro e leve,
Veio a fazer no mundo tanta parte,
Criando-a Reino ilustre; e foi desta arte:
“Here sprang the Shepherd, in whose name we see 22
forecast of virile might, of virtuous meed;
whose fame no force shall ever hold in fee,
since fame of mighty Rome ne’er did the deed.
This, by light Heaven’s volatile decree,
that antient Scyther, who devours his seed,
made puissant pow’er in many a part to claim,
assuming regal rank; and thus it came: —
23
“Um Rei, por nome Afonso, foi na Espanha,
Que fez aos Sarracenos tanta guerra,
Que por armas sanguinas, força e manha,
A muitos fez perder a vida o a terra;
Voando deste Rei a fama estranha
Do Herculano Calpe à Cáspia serra,
Muitos, para na guerra esclarecer-se,
Vinham a ele e à morte oferecer-se.
“A King there was in Spain, Afonso hight, 23
who waged such warfare with the Saracen,
that by his ‘sanguined arms, and arts, and might,
he spoiled the lands and lives of many men.
When from Herculean Calpe winged her flight
his fame to Caucasus Mount and Caspian glen,
many a Knight, who noblesse coveteth,
comes off’ering service to such King and Death.
24
“E com um amor intrínseco acendidos
Da Fé, mais que das honras populares,
Eram de várias terras conduzidos,
Deixando a pátria amada e próprios lares.
Depois que em feitos altos e subidos
Se mostraram nas armas singulares,
Quis o famoso Afonso que obras tais
Levassem prémio digno e dons iguais.
“And with intrinsic love inflamed more 24
for the True Faith, than honours popular,
they trooped gathering from each distant shore,
leaving their dear-loved homes and lands afar.
When with high feats of force against the Moor
they proved of singular worth in Holy War,
willed Afonso that their mighty deeds
commens’urate gifts command and equal meeds.
25
“Destes Anrique, dizem que segundo
Filho de um Rei de Ungria exprimentado,
Portugal houve em sorte, que no mundo
Então não era ilustre nem prezado;
E, para mais sinal d’amor profundo,
Quis o Rei Castelhano, que casado
Com Teresa, sua filha, o Conde fosse;
E com ela das terras tornou posse.
“‘Mid them Henrique second son, men say, 25
of a Hungarian King, well-known and tried,
by sort won Portugal which, in his day,
ne prized was ne had fit cause for pride:
His strong affection stronger to display
the Spanish King decreed a princely bride,
his only child, Theresa, to the count;
Luis de Camoes Collected Poetical Works Page 43