83
“Enfim que nesta incógnita espessura
Deixamos para sempre os companheiros,
Que em tal caminho e em tanta desventura
Foram sempre conosco aventureiros.
Quão fácil é ao corpo a sepultura!
Quaisquer ondas do mar, quaisquer outeiros
Estranhos, assim mesmo como aos nossos,
Receberão de todo o Ilustre os ossos.
“At last in tangled brake and unknown ground, 83
our true companions lost for aye, we leave,
who ‘mid such weary ways, such dreary round,
such dread adventures aidance ever gave.
How easy for man’s bones a grave is found!
Earth’s any wrinkle, Ocean’s any wave,
whereso the long home be, abroad, at home,
for ev’ery Hero’s corse may lend a tomb.
84
“Assim que, deste porto nos partirmos
Com maior esperança e maior tristeza,
E pela costa abaixo o mar abrirmos
Buscando algum sinal de mais firmeza.
Na dura Moçambique enfim surgimos,
De cuja falsidade e má vileza
Já serás sabedor, e dos enganos
Dos povos de Mombaça pouco humanos.
“When from that Haven we resumed our way 84
while brighter hopes with darker hearts combine’d,
we oped Ocean where the down coast lay,
expecting surer signal e’er to find:
At last we rode in rude Mozambic Bay,
of whose vile leasing, and whose villain kind
thou must have knowledge; and the foul deceit
wherewith Mombasah would her guests defeat.
85
“Até que aqui no teu seguro porto,
Cuja brandura e doce tratamento
Dará saúde a um vivo, e vida a um morto,
Nos trouxe a piedade do alto assento.
Aqui repouso, aqui doce conforto,
Nova quietação do pensamento
Nos deste: e vês aqui, se atento ouviste,
Te contei tudo quanto me pediste.
“Until safe anchored in thy harbour, rife 85
with all the gracious guest-rites that bestow
health on the living, on the dying life,
God in His pity pleased the way to show:
Here rest, here sweet repose from grief, toil, strife,
new Peace appeasing ev’ry want and woe
thou gavest us: Now, if hast heard me well
told is the tale thou badest me to tell.
86
“Julgas agora, Rei, se houve no mundo
Gentes que tais caminhos cometessem?
Crês tu que tanto Eneias e o facundo
Ulisses pelo inundo se estendessem?
Ousou algum a ver do mar profundo,
Por mais versos que dele se escrevessem,
Do que eu vi, a poder de esforço e de arte,
E do que ainda hei de ver, a oitava parte?
“Judge then, O King! an over Earth e’er went 86
men who would ‘tempt such paths of risk and dread?
Dost deem AEneas, or e’en eloquent
Ulysses, fared so far this Earth to tread?
Did any dare to see the Sea’s extent
howe’er the Muse their Gestes hath sung or said,
as I by force of will and skill have seen
and still shall see; or e’en the eighth, I ween?
87
“Esse que bebeu tanto da água Aónia,
Sobre quem tem contenda peregrina,
Entre si, Rodes, Smirna e Colofónia,
Atenas, Ios, Argo e Salamina:
Esse outro que esclarece toda Ausónía,
A cuja voz altíssona e divina
Ouvindo, o pátrio Míncio se adormece,
Mas o Tibre, com o som se ensoberbece;
“This, who so deeply drank of Fount Aonian, 87
o’er whom contend in conquest peregrine
Rhodes, Ios, Smyrna, with the Colophonian
Athens and Argos and the Salamine:
And that, the lustre of the land Ausonian,
whose voice altis’onous and whose lyre divine
his native Mincius hearing, sinks to sleep,
while Tyber’s waves with pride and pleasure leap:
88
Cantem, louvem e escrevam sempre extremos
Desses seus Semideuses, e encareçam,
Fingindo Magis Circes, Polifemos,
Sirenas que com o canto os adormeçam;
Dêem-lhe mais navegar à vela e remos
Os Cicones, e a torra onde se esqueçam
Os companheiros, em gostando o Loto;
Dêem-lhe perder nas águas o piloto;
“Sing, laud and write they both in wild extremes 88
of these their Demigods, and prowess vaunt
on fabled Magians, Circes, Polyphemes,
and Sirens lulling with the sleepy chaunt:
Send them to plow with oar and sail the streams
of Cicons; on th’ oblivious lands descant
where slumb’erous Lotus-eaters dazed and died;
e’en be their Pilot whelmed in Ocean-tide:
89
“Ventos soltos lhe finjam, e imaginem
Dos odres e Calipsos namoradas;
Harpias que o manjar lhe contaminem;
Descer às sombras nuas já passadas:
Que por muito e por muito que se afinem
Nestas fábulas vãs, tão bem sonhadas,
A verdade que eu conto nua e pura
Vence toda grandíloqua escritura.”
“Storms let them loosen from the Bags of Wind, 89
create Calypsos captivate by love;
make Harpies’ touch contaminate all they find,
and in sad Hades make their Heroes rove;
however much, o’er much, they have refine’d
such fabled tales, which Poet’s fancy prove,
the simple naked truth my story telleth
all their grandiloquence of writ excelleth.”
90
Da boca do facundo Capitão
Pendendo estavam todos embebidos,
Quando deu fim à longa narração
Dos altos feitos grandes e subidos.
Louva o Rei o sublime coração
Dos Reis em tantas guerras conhecidos;
Da gente louva a antiga fortaleza,
A lealdade de ânimo e nobreza.
Fast on our Captain’s facund lips depends 90
as drunk with wonder, all that soul-wrapt crowd;
until at length his travel-story ends;
his tale that told of noble deeds and proud.
The high-conceiv’ed intent the King commends
of Kings to not’able feats of warfare vow’d:
Their Lieges’ old and val’orous strain extols,
their loyal spirits and their noble souls.
91
Vai recontando o povo, que se admira,
O caso cada qual que mais notou;
Nenhum deles da gente os olhos tira,
Que tão longos caminhos rodeou.
Mas já o mancebo Délio as rédeas vira
Que o irmão de Lampécia mal guiou,
Por vir a descansar nos Tétios braços;
E el-Rei se vai do mar aos nobres paços.
Th’ admiring audience to recount are fain 91
each case, as each one best could understand:
None from the hardy Folk could turn their eyne
who by such long-drawn ways the waves had span’d.
Now, as the Delian youth turns round the rein
Lampetia’s brother held with feeble hand,
and in the Thetian arms way-weary falls;
the King hies sea-borne to his royal halls.
92
Quão doce é o louvor e a justa glória
Dos próprios feitos, quand
o são soados!
Qualquer nobre trabalha que em memória
Vença ou iguale os grandes já passados.
As invejas da ilustre e alheia história
Fazem mil vezes feitos sublimados.
Quem valerosas obras exercita,
Louvor alheio muito o esperta e incita.
How pleasant sound the praise and well-won glory 92
of man’s own exploits as man hears them chime!
for noble travail, actions digne of story,
that dim or equal those of passed Time.
Envy of famous feats untransitory
hath ‘gendered thousand thousand deeds sublime:
The Brave who loves to tread in Valour’s ways
pants for the pleasure of his fellows’ praise.
93
Não tinha em tanto os feitos gloriosos
De Aquiles, Alexandro na peleja,
Quanto de quem o canta, os numerosos
Versos; isso só louva, isso deseja.
Os troféus de Melcíades famosos
Temístoeles despertam só de inveja,
E diz que nada tanto o deleitava
Como a voz que seus feitos celebrava.
Achilles’ glorious feats could not so ‘flame, 93
nor Alexander’s soul to fight inspired;
as he who sang in numbered verse his name;
such praise, such honour most his soul desired.
Nought but the trophies of Miltiades’ fame
could rouse Themistocles with envy fired;
who owned his highest joy, his best delight,
came from the voices which his feats recite.
94
Trabalha por mostrar Vasco da Gama
Que essas navegações que o mundo canta
Não merecem tamanha glória e fama
Como a sua, que o céu e a terra espanta.
Si; mas aquele Herói, que estima e ama
Com dons, mercês, favores e honra tanta
A lira Mantuana, faz que soe
Eneias, e a Romana glória voe.
Vasco da Gama striveth hard to prove 94
that these old travels in world-song resounding
merit not glory nor men’s hearts may move
like his sore travails Heav’en and Earth astounding.
Yes! but that Hero, whose esteem and love
crowned with praise, prize, honours, gifts abounding
the Lyre of Mantua, taught her Bard to chaunt
AEneas’ name, and Rome’s high glories vaunt.
95
Dá a terra lusitana Cipiões,
Césares, Alexandros, e dá Augustos;
Mas não lhe dá contudo aqueles dois
Cuja falta os faz duros e robustos.
Octávio, entre as maiores opressões,
Compunha versos doutos e venustos.
Não dirá Fúlvia certo que é mentira,
Quando a deixava António por Glafira,
Scipios and Caesars giveth Lusia-land, 95
gives Alexanders and Augusti gives;
but she withal may not the gifts command
whose want rears rough and ready working-lives:
Octavius, prest by Fortune’s heaviest hand,
with compt and learned verse her wrong survives.
Nor, certes, Fulvia shall this truth deny,
Glaphyra’s wit entrapt her Anthony.
96
Vai César, sojugando toda França,
E as armas não lhe impedem a ciência;
Mas, numa mão a pena e noutra a lança,
Igualava de Cícero a eloquência.
O que de Cipião se sabe e alcança,
É nas comédias grande experiência.
Lia Alexandro a Homero de maneira
Que sempre se lhe sabe à cabeceira.
Goes Caesar subjugating gen’eral France, 96
yet worked his arms to Science no offence;
this hand the Pen compelling, that the Lance
he vied with Cicero’s gift of eloquence:
What most doth Scipio’s name and fame enhance
is of the Com’edy deep experience:
What Homer wrote that Alexander read,
we know, whose roll ne’er left his couch’s head.
97
Enfim, não houve forte capitão,
Que não fosse também douto e ciente,
Da Lácia, Grega, ou Bárbara nação,
Senão da Portuguesa tão somente.
Sem vergonha o não digo, que a razão
De algum não ser por versos excelente,
É não se ver prezado o verso e rima,
Porque, quem não sabe arte, não na estima.
In fine, the nations own no Lord of Men 97
that lackt a cultured learned phantasy,
of Grecian, Latian, or barbarian strain;
only the Lusian lacking it we see.
Not without shame I say so, but ‘twere vain
to hope for high triumphant Poesy
till men our Rhymes, our Songs shall lay to heart;
for minds Art-ign’orant aye look down on Art.
98
Por isso, e não por falta de natura,
Não há também Virgílios nem Homeros;
Nem haverá, se este costume dura,
Pios Eneias, nem Aquiles feros.
Mas o pior de tudo é que a ventura
Tão ásperos os fez, e tão austeros,
Tão rudos, e de engenho tão remisso,
Que a muitos lhe dá pouco, ou nada disso.
For this, and not for Nature’s fault, be sure 98
Virgil nor Homer rise to strike the lyre;
nor shall rise ever, an this mode endure,
pious AEneas or Achilles dire.
But, — worst of all, — it maketh man so dour
austere, rough, frigid to poetic fire;
so rude, so heedless to be known or know,
few heed the want and many will it so.
99
As Musas agradeça o nosso Gama
o Muito amor da Pátria, que as obriga
A dar aos seus na lira nome e fama
De toda a ilustro e bélica fadiga:
Que ele, nem quem na estirpe seu se chama,
Calíope não tem por tão amiga,
Nem as filhas do Tejo, que deixassem
As telas douro fino, e que o cantassem.
Let grateful Gama to my Muse give grace, 99
for the great patriot-love that gars her sound
the Lyre for all her Sons, and aye retrace
the name and fame of ways and wars renown’d:
Nor he, nor they who call themselves his race
e’er in Calliope a friend so found,
or from the Tagus-maidens boon could claim,
to leave their golden webs and hymn his name.
100
Porque o amor fraterno e puro gosto
De dar a todo o Lusitano feito
Seu louvor, é somente o pressuposto
Das Tágides gentis, e seu respeito.
Porém não deixe enfim de ter disposto
Ninguém a grandes obras sempre o peito,
Que por esta, ou por outra qualquer via,
Não perderá seu preço, e sua valia.
Because fraternal love and friendly will 100
that deals to every Lusian Brave his meed
of laud, this thought, these resolutions fill
my gentle Tagides; and this their creed.
Yet ne’er let human bosom cease to thrill
with Hope to dare and do some mighty deed, since or by these or, haply, other ways,
he ne’er shall forfeit prizes, value, praise.
CANTO SEXTO — CANTO VI.
ARGUMENT OF THE SIXTH CANTO.
VASCO DA GAMA departeth from Melinde; and, while he voyageth prosperously, Bacchus descendeth to the sea: Description of Neptune’s Palace: The same (Bacchus) convoketh the Sea-gods and persuadeth them to destroy the
Navigators: Meanwhile Velloso entertaineth his mates with the tale of the “Twelve of England”: An horrible storm ariseth: It is calmed by Venus and her Nymphs: At length they arrive in calm weather at Calecut, the last and longed-for bourne of this navigation.
ANOTHER ARGUMENT.
Parte-se de Melinde o illusive Gama,
Com Pilotos da terra, e mantimento:
Desce Lyco ao mar Neptuno chama
Todos os deoses do humido elemento:
Conta Velloso, aos seus dando honra, e fama,
Dos doze de Inglaterra o vencimenio;
Soccorre Venus a affligida armada,
E á India chega tanto descjada.
1
Não sabia em que modo festejasse
O Rei Pagão os fortes navegantes,
Para que as amizades alcançasse
Do Rei Cristão, das gentes tão possantes;
Pesa-lhe que tão longe o aposentasse
Das Européias terras abundantes
A ventura, que não no fez vizinho
Donde Hércules ao mar abriu caminho.
SCANT could devise how best to entertain 1
the pagan King our Voyagers renown’d,
firm friendship of the Christian King to gain
and folk so puissant proved, so faithful found:
Grieveth him greatly, that his rule and reign
be placed so distant from Europa’s bound
by lot, nor let him neighbour that abode
where opened Hercules the broad sea-road.
2
Com jogos, danças e outras alegrias,
A segundo a polícia Melindana,
Com usadas e ledas pescarias,
Com que a Lageia António alegra e engana
Este famoso Rei, todos os dias,
Festeja a companhia Lusitana,
Com banquetes, manjares desusados,
Com frutas, aves, carnes e pescados.
With games and dances, gentle, honest play 2
e’en as accorded with Melindan style,
and fishing frolicks, like the Lageian gay
delighted Anthony with gladde’ning guile,
rejoiced that famous Sovran every day,
the Lusitanian host to feast and fill
with banquets rich, rare meats and unknown dishes
of fruit and flesh, of birds, and beasts, and fishes.
3
Mas vendo o Capitão que se detinha
Já mais do que devia, e o fresco vento
O convida que parta e tome asinha
Os pilotos da terra e mantimento,
Não se quer mais deter, que ainda tinha
Muito para cortar do salso argento;
Já do Pagão benigno se despede,
Que a todos amizade longa pede.
But when the Captain saw him still detained 3
far more than seemed meet, while the fresh breeze
to sail inviteth; and he had obtained
the Negro Pilots and the new supplies;
Luis de Camoes Collected Poetical Works Page 58