Araby’s odours never shall surpass.
26
Estando sossegado já o tumulto
Dos Deuses, e de seus recebimentos,
Começa a descobrir do peito oculto
A causa o Tioneu de seus tormentos:
Um pouco carregando-se no vulto,
Dando mostra de grandes sentimentos,
Só por dar aos de Luso triste morte
Com o ferro alheio, fala desta sorte:
At length, when tumult sinks to stilly rest, 26
and when the De’ities all their greetings close,
to them Thyóneus opes his hidden breast,
and the sad secret of his torment shows:
A shade of sadness marks his look and gest,
as though deprest by sense of ‘during woes,
resolved with alien steel alone to slay
right soon the Lusus men, he ‘gan to say: —
27
“Príncipe, que de juro senhoreias
Dum Pólo ao outro Pólo o mar irado,
Tu, que as gentes da terra toda enfreias,
Que não passem o termo limitado;
E tu, padre Oceano, que rodeias
O inundo universal, e o tens cercado,
E com justo decreto assim permites
Que dentro vivam só de seus limites;
“Prince! who by birthright holdest high command 27
o’er the proud seas that sweep from Pole to Pole;
thou who dost curb the den’izens of the land
that none o’erpass his term and certain goal:
And, Father Ocean! thou whose ‘circling band
around the globed universe doth roll,
permitting only by thy just decree
each in due bounds to flourish, Earth and Sea:
28
“E vós, Deuses do mar, que não sofreis
Injúria alguma em vosso reino grande,
Que com castigo igual vos não vingueis
De quem quer que por ele corra e ande:
Que descuido foi este em que viveis?
Quem pode ser que tanto vos abrande
Os peitos, com razão endurecidos
Contra os humanos fracos e atrevidos?
“And, eke, ye Water-gods, who ne’er endure 28
aught of injurious in your vast domain,
sans meetest chastisement condign and sure,
dealt to the worms who overrun your reign:
Why dwell ye reckless thus, how rest secure?
Who to such softness had the power to train
your hearts, with reason hardened to behold
this race of mortals weak withal so bold?
29
“Vistes que com grandíssima ousadia
Foram já cometer o Céu supremo;
Vistes aquela insana fantasia
De tentarem o mar com vela e reino;
Vistes, e ainda vemos cada dia,
Soberbas e insolências tais, que temo
Que do mar e do Céu em poucos anos
Venham Deuses a ser, e nós humanos.
“Ye saw the wondrous insolent extremes 29
that dared the heavenly heights in arms to scale:
Ye saw that wildest phantasy that dreams
of conquering Ocean-tide with oar and sail:
Ye saw, and every day we see, meseems,
such braves, such insults that, if these prevail,
full soon, I fear, of sea and sky to find
Mankind the godheads, Gods the humankind.
30
“Vedes agora a fraca geração
Que dum vassalo meu o nome toma,
Com soberbo e altivo coração,
A vós, e a mi, e o mundo todo doma;
Vedes, o vosso mar cortando vão,
Mais do que fez a gente alta de Roma;
Vedes, o vosso reino devassando,
Os vossos estatutos vão quebrando.
“You see that now this weak ephemeral brood, 30
who from a Vassal mine hath taken name,
with sprite high-flown, and heart of proudest mood,
you, me and all the world would tempt and tame:
You see how freely they defy your Flood,
a doughtier deed than Rome’s high race could claim:
You see they seek to ‘spy your whole domain,
to break the very statutes of your Reign.
31
“Eu vi que contra os Mínias, que primeiro
No vosso reino este caminho abriram,
Bóreas injuriado, e o companheiro
Aquilo, e os outros todos resistiram.
Pois se do ajuntamento aventureiro
Os ventos esta injúria assim sentiram,
Vós, a quem mais compete esta vingança,
Que esperais? Porque a pondes em tardança?
“I saw how ‘gainst the Minyae, first to find 31
the path that passeth through your realm, the wave,
much-injured Boreas, with his brother-wind
Aquilo and their peers, did rage and rave.
If to th’ adventurous mortals who design’d
such wrongs the Winds appaid the boast and brave,
ye, who have higher right these wrongs to pay,
what wait ye? Doom of justice why delay?
32
“E não consinto, Deuses, que cuideis
Que por amor de vós do céu desci,
Nem da mágoa da injúria que sofreis,
Mas da que se me faz também a mi;
Que aquelas grandes honras, que sabeis
Que no mundo ganhei, quando venci
As terras Indianas do Oriente,
Todas vejo abatidas desta gente.
“Nor will I, Gods! consent, so should you trow 32
pure love of you from Heaven hath brought me down;
not thus your suffering feel I and your woe,
what wrongs I now resent are all mine own;
since the high honours, as your Godships know,
I won on earth, when fell by me o’erthrown
Inde’s wealthy Reign, of Morning-lond the grace,
I see abated by this little race:
33
“Que o grã Senhor e Fados que destinam,
Como lhe bem parece, o baixo mundo,
Famas mores que nunca determinam
De dar a estes barões no mar profundo.
Aqui vereis, ó Deuses, como ensinam
O mal também a Deuses: que, a segundo
Se vê, ninguém já tem menos valia,
Que quem com mais razão valer devia.
“For our all-Sovran Sire and eke the Fates 33
who rule this nether world as best they wot,
resolve with Fame which ne’er on man awaits,
to make th’ abysmal sea these Barons’ lot:
Hence shall you view, O Gods! their human hates
teach god to work god wrong: Ah! see ye not
of note and worth we have the smallest boast
whose value Reason valueth the most.
34
“E por isso do Olimpo já fugi,
Buscando algum remédio a meus pesares,
Por ver o preço que no Céu perdi,
Se por dita acharei nos vossos mares.”
Mais quis dizer, e não passou daqui,
Porque as lágrimas já correndo a pares
Lhe saltaram dos olhos, com que logo
Se acendem as Deidades d’água em fogo.
“Wherefore Olympus’ height I now have fled, 34
to seek heart-salving balm for sore despair;
eke would I find, if rank thus forfeited
in Heav’en, your Waters still to honour care.”
More would he say, but nothing more he said,
for tears, already trickling pair by pair,
leapt from his brimming lids, and as they came
the Gods of Water felt their sprites aflame.
35
A ira com que súbito alterado
O coração dos Deuses foi num ponto,
Não sofreu mais conselho bem cuidado,
Nem dilação, nem outro algum desconto.
Ao grande Eolo mandam já recado
Da parte de Netuno, que sem conto
Solte as fúrias dos ventos repugnantes,
Que não haja no mar mais navegantes.
The rage which sudden fired their hearts divine, 35
and roused to such display each vengeful soul,
suffered not counsel to contain design,
nor discount brooked, nor endured control:
Now to great Aeolus they send a sign,
as ‘twere from Neptune, bidding him enroll
contrary Winds of wildest phrenesy,
and of all venturous sails sweep clean the sea.
36
Bem quisera primeiro ali Proteu
Dizer neste negócio o que sentia,
E segundo o que a todos pareceu,
Era alguma profunda profecia.
Porém tanto o tumulto se moveu
Súbito na divina companhia,
Que Tethys indignada lhe bradou:
“Netuno sabe bem o que mandou”.
Proteus the first and foremost there desired 36
to speak his feelings as he felt him bound;
the general Conclave deeming him inspired,
by some myst’erious prophesy profound:
yet was that Company divine so fired
by sudden tumult; brake such storm of sound
that Tethys rising cries indignantly,
“Well kens King Neptune what commanded! he.”
37
Já lá o soberbo Hipótades soltava
Do cárcere fechado os furiosos
Ventos, que com palavras animava
Contra os varões audazes e animosos.
Súbito o céu sereno se obumbrava,
Que os ventos, mais que nunca impetuosos,
Começam novas forças a ir tomando,
Torres, montes e casas derribando.
Now there superb Hippotades gave vent 37
to furious Winds erst pent in prison-hold;
the while his wilful words fresh fury lent,
against the Lusian Barons brave and bold.
Sudden the summer-vault with clouds was sprent,
for Winds, still growing fierce with rage untold,
gather as on they go fresh might and main,
house, tow’er, and hillock strewing o’er the plain.
38
Enquanto este conselho se fazia
No fundo aquoso, a leda lassa frota
Com vento sossegado prosseguia,
Pelo tranquilo mar, a longa rota.
Era no tempo quando a luz do dia
Do Eôo Hemisfério está remota;
Os do quarto da prima se deitavam,
Para o segundo os outros despertavam.
While thus in Council met the Gods’ array 38
beneath the Seas, before soft breezes float
our joyous weary Ships, and hold their way
o’er tranquil Ocean on the long new route.
The hour was that when hangs the Lamp of Day
from hemisphere Eoan most remote:
They of night’s early watch lay down to sleep,
while others waked the second ward to keep.
39
Vencidos vêm do sono, e mal despertos;
Bocejando a miúdo se encostavam
Pelas antenas, todos mal cobertos
Contra os agudos ares, que assopravam;
Os olhos contra seu querer abertos,
Alas estregando, os membros estiravam;
Remédios contra o sono buscar querem,
Histórias contam, casos mil referem.
Drows’iness mastered, all half-numbed and chill 39
shivered with many a yawn the huddling Crew
beneath the bulging main-sail, clothed ill
to bear the nightly breath that keenly blew;
their eyes, kept open sore against their will,
they rubbed, and stretcht their torpid limbs anew:
To seek a waking-draught the men devise,
spin stories, tell a thousand histories.
40
“Com que melhor podemos, um dizia,
Este tempo passar, que é tão pesado,
Senão com algum conto de alegria,
Com que nos deixe o sono carregado?”
Responde Leonardo, que trazia
Pensamentos de firme namorado:
“Que contos poderemos ter melhores,
Para passar o tempo, que de amores?”
One ‘gan to say, “Wherewith may better we 40
spur tardy Time who lags so sore and slow,
save with some pretty tale of joyaunce gay
that heavy slumber trouble us no me?”
Replied Le’onardo, truest lover he,
whose firm and constant thought was aye aglow:
“What tale our tardy breasts may better move
and kill old Time than some fair Lay of Love?”
41
“Não é, disse Veloso, coisa justa
Tratar branduras em tanta aspereza;
Que o trabalho do mar, que tanto custa,
Não sofre amores, nem delicadeza;
Antes de guerra férvida e robusta
A nossa história seja, pois dureza
Nossa vida há de ser, segundo entendo,
Que o trabalho por vir me está dizendo.”
“‘Twere not, methinks,” Velloso said, “thing meet 41
on theme so soft in hours so hard to dwell;
the rough Sea-labours, which do fag the fleet,
Love’s delicatest fancies rudely quell:
Rather of fervid fight and battle-feat
be now our story, for I see full well,
life is all hardship, and good sooth I wis
more trouble cometh; something tells me this.”
42
Consentem nisto todos, e encomendam
A Veloso que conte isto que aprova.
“Contarei, disse, sem que me repreendam
De contar cousa fabulosa ou nova;
E porque os que me ouvirem daqui aprendam
A fazer feitos grandes de alta prova,
Dos nascidos direi na nossa terra,
E estes sejam os doze de Inglaterra.
All with his words consenting joint assail 42
Velloso to recount whate’er he knew.
“I will recount,” quoth he, “nor shall you rail
at aught that seemeth fabulous or new:
And that my hearers learn from this my tale
high proofs of forceful deed to dare and do,
e’en of my countrymen I’ll say my say; —
the Twelve of England shall adorn my lay.
43
“No tempo que do Reino a rédea leve
João, filho de Pedro, moderava,
Depois que sossegado e livre o teve
Do vizinho poder, que o molestava,
Lá na grande Inglaterra, que da neve
Boreal sempre abunda, semeava
A fera Erínis dura e má cizânia,
Que lustre fosse a nossa Lusitânia.
“When of our Reign the curbing rein so light 43
John, son of Pedro, held with mod’erate hand;
and when his Realm had ‘scaped the bane and blight
oft dealt by hate of hostile neighbour-land;
there in great England, where the rain falls white
from Boreal snow-drift, fierce Erinnys plan’d
to sow the dil’igent tares of wanton strife,
and make our Lusitania lustre-rife.
44
“Entre as damas gentis da corte Inglesa
E nobres cortesãos, acaso um dia
Se levantou discórdia em ira acesa,
Ou foi opinião, ou foi porfia.
Os cortesãos, a quem tão pouco pesa
Soltar palavras
graves de ousadia,
Dizem que provarão, que honras e famas
Em tais damas não há para ser damas;
“Betwixt the gentle Dames of th’ English Court 44
and high-born Courtier-crowd, one day it came
that horrid Discord showed her dreadful port;
of self-will sprung, or faith in common fame.
The Courtier-throng that lightly loves in sport
and careless mood to bruit the gravest shame,
sware Honour they disprov’d, and Honesty
in certain Dames, who boasted Dames to be.
45
“E que se houver alguém, com lança e espada,
Que queira sustentar a parte sua,
Que eles, em campo raso ou estacada,
Lhe darão feia infâmia, ou morte crua.
A feminil fraqueza Pouco usada,
Ou nunca, a opróbrios tais, vendo-se nua
De forças naturais convenientes,
Socorro pede a amigos e parentes.
“Nay, more, if any Knight uphold as true, 45
and with his brand and lance the cause defend,
in lists or rased field, the same should rue
foul infamy, or come to cruel end:
The woman-weakness which but little knew,
if e’er, such foul reproach, and yet which ken’d
its want of nat’ural force could only crave
their friends to succour and their kin to save.
46
“Mas como fossem grandes e possantes
No reino os inimigos, não se atrevem
Nem parentes, nem férvidos amantes,
A sustentar as damas, como devem.
Com lágrimas formosas e bastantes
A fazer que em socorro os Deuses levem
De todo o Céu, por rostos de alabastro,
Se vão todas ao duque de Alencastro.
“But as their sland’erers great and puissant were 46
throughout the kingdom, none the cause would heed;
nor kith, nor friends, nor fervid lovers dare
support the Dames in darkest hour of need:
Tempting with delicate tear and doleful air
the very Gods to rise in arms, and aid
from Heav’en, for sake of alabaster brows,
to ducal Lancaster the Bevy goes.
47
“Era este Inglês potente, e militara
Com os Portugueses já contra Castela,
Onde as forças magnânimas provara
Dos companheiros, e benigna estrela:
Não menos nesta terra experimentara
Namorados afeitos, quando nela
A filha viu, que tinto o peito doma
Do forte Rei, que por mulher a toma.
“This lord was English and in doughty fight 47
against Castile for Portugale made war,
wherein he proved the noble force and sprite
of his companions, and their favouring star:
Nor less within our realm he saw the might
of Love, whose am’orous feats as forceful are,
Luis de Camoes Collected Poetical Works Page 60