Multitudinous Heart

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Multitudinous Heart Page 3

by Carlos Drummond de Andrade


  in the middle of the road there was a stone.

  I will never forget that event

  in the life of my exhausted retinas.

  I will never forget that in the middle of the road

  there was a stone

  there was a stone in the middle of the road

  in the middle of the road there was a stone.

  QUADRILHA

  João amava Teresa que amava Raimundo

  que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili

  que não amava ninguém.

  João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,

  Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,

  Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes

  que não tinha entrado na história.

  SQUARE DANCE

  João loved Teresa who loved Raimundo

  who loved Maria who loved Joaquim who loved Lili

  who didn’t love anyone.

  João went to the United States, Teresa to a convent,

  Raimundo died in an accident, Maria became a spinster,

  Joaquim committed suicide, and Lili married J. Pinto Fernandes,

  who had nothing to do with the story.

  CORAÇÃO NUMEROSO

  Foi no Rio.

  Eu passeava na Avenida quase meia-noite.

  Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.

  Havia a promessa do mar

  e bondes tilintavam,

  abafando o calor

  que soprava no vento

  e o vento vinha de Minas.

  Meus paralíticos sonhos desgosto de viver

  (a vida para mim é vontade de morrer)

  faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente

  na Galeria Cruzeiro quente quente

  e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,

  nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.

  Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas

  autos abertos correndo caminho do mar

  voluptuosidade errante do calor

  mil presentes da vida aos homens indiferentes,

  que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

  O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

  A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

  a cidade sou eu

  sou eu a cidade

  meu amor.

  MULTITUDINOUS HEART

  It happened in Rio.

  I was walking on the Avenida close to midnight.

  Breasts were bouncing amid lights flashing countless stars.

  The promise of the sea

  and the jangle of streetcars

  tempered the heat

  that wafted in the wind

  and the wind came from Minas Gerais.

  My paralytic dreams the ennui of living

  (life for me is the wish to die)

  reduced me to a human barrel-organ remotely

  in the shopping arcade of the Hotel Avenida sultry sultry

  and since I knew no one, just the soft wind from Minas,

  and didn’t feel like drinking, I said: Let’s end this.

  But an excitement throbbed in the city its long buildings

  cars with tops down zooming toward the sea

  the sensuously roving heat

  a thousand gifts of life for indifferent people,

  and my heart beat violently, my useless eyes cried.

  The sea was beating in my chest, no longer against the wharf.

  The street ended, where did the trees go? the city is me

  the city is me

  I am the city

  my love.

  NOTA SOCIAL

  O poeta chega na estação.

  O poeta desembarca.

  O poeta toma um auto.

  O poeta vai para o hotel.

  E enquanto ele faz isso

  como qualquer homem da terra,

  uma ovação o persegue

  feito vaia.

  Bandeirolas

  abrem alas.

  Bandas de música. Foguetes.

  Discursos. Povo de chapéu de palha.

  Máquinas fotográficas assestadas.

  Automóveis imóveis.

  Bravos …

  O poeta está melancólico.

  Numa árvore do passeio público

  (melhoramento da atual administração)

  árvore gorda, prisioneira

  de anúncios coloridos,

  árvore banal, árvore que ninguém vê

  canta uma cigarra.

  Canta uma cigarra que ninguém ouve

  um hino que ninguém aplaude.

  Canta, no sol danado.

  O poeta entra no elevador

  o poeta sobe

  o poeta fecha-se no quarto.

  O poeta está melancólico.

  SOCIAL NOTES

  The poet arrives at the station.

  The poet steps off the train.

  The poet takes a taxi.

  The poet goes to the hotel.

  And as he does all this

  like any earthly man,

  hoorays pursue him

  like hoots.

  Waving pennants

  open up to make way.

  Bands play. There are fireworks.

  Speeches. People in straw hats.

  Cameras ready to click.

  Cars standing still.

  Cheers …

  The poet is melancholy.

  In a tree on the public promenade

  (laid out by the current administration),

  in a fat tree imprisoned

  by colorful posters,

  in an ordinary tree that no one sees,

  a cicada is singing.

  A cicada that no one hears is singing

  a song that no one applauds.

  It sings, in the blistering sun.

  The poet enters the elevator

  the poet ascends

  the poet shuts himself in his room.

  The poet is melancholy.

  POEMA DA PURIFICAÇÃO

  Depois de tantos combates

  o anjo bom matou o anjo mau

  e jogou seu corpo no rio.

  As águas ficaram tintas

  de um sangue que não descorava

  e os peixes todos morreram.

  Mas uma luz que ninguém soube

  dizer de onde tinha vindo

  apareceu para clarear o mundo,

  e outro anjo pensou a ferida

  do anjo batalhador.

  PURIFICATION POEM

  After many battles

  the good angel killed the bad angel

  and threw his corpse in the river.

  The waters were stained

  by a blood whose red wouldn’t fade,

  and the fish all died.

  But one day a light

  from nobody knew where

  arrived to illumine the world,

  and another angel nursed the wound

  of the fighter angel.

  BREJO DAS ALMAS / SWAMP OF SOULS (1934)

  SONETO DA PERDIDA ESPERANÇA

  Perdi o bonde e a esperança.

  Volto pálido para casa.

  A rua é inútil e nenhum auto

  passaria sobre meu corpo.

  Vou subir a ladeira lenta

  em que os caminhos se fundem.

  Todos eles conduzem ao

  princípio do drama e da flora.

  Não sei se estou sofrendo

  ou se é alguém que se diverte

  por que não? na noite escassa

  com um insolúvel flautim.

  Entretanto há muito tempo

  nós gritamos: sim! ao eterno.

  SONNET OF MISSING HOPE

  I missed the streetcar and am missing

  hope. Downhearted, I head

  home. The street is useless,

  and no car would run me over.

  I’ll climb the slow slope />
  where the paths all come together.

  They all lead back to the beginning

  of the drama and the flora.

  I don’t know if I’m suffering

  or if someone’s having fun

  (why not?) with a cryptic flute

  on this stingy night. But I know

  that for ages we’ve been crying

  Yes! to the eternal.

  POEMA PATÉTICO

  Que barulho é esse na escada?

  É o amor que está acabando,

  é o homem que fechou a porta

  e se enforcou na cortina.

  Que barulho é esse na escada?

  É Guiomar que tapou os olhos

  e se assoou com estrondo.

  É a lua imóvel sobre os pratos

  e os metais que brilham na copa.

  Que barulho é esse na escada?

  É a torneira pingando água,

  é o lamento imperceptível

  de alguém que perdeu no jogo

  enquanto a banda de música

  vai baixando, baixando de tom.

  Que barulho é esse na escada?

  É a virgem com um trombone,

  a criança com um tambor,

  o bispo com uma campainha

  e alguém abafando o rumor

  que salta de meu coração.

  EMPATHETIC POEM

  What noise is that on the stairs?

  It’s love coming to an end,

  it’s the man who shut the door

  and hung himself with the curtain.

  What noise is that on the stairs?

  It’s Guiomar covering her eyes

  and blowing her nose like a horn.

  It’s the plates and pans in the pantry

  lit up by a still moon.

  What noise is that on the stairs?

  It’s the faucet dripping water,

  it’s the indiscernible cursing

  of someone who lost the game

  while the music from the band

  keeps getting softer, softer.

  What noise is that on the stairs?

  It’s the virgin on a trombone,

  the child beating a drum,

  the bishop ringing a bell,

  and someone stifling the din

  that’s leaping from my heart.

  NÃO SE MATE

  Carlos, sossegue, o amor

  é isso que você está vendo:

  hoje beija, amanhã não beija,

  depois de amanhã é domingo

  e segunda-feira ninguém sabe

  o que será.

  Inútil você resistir

  ou mesmo suicidar-se.

  Não se mate, oh não se mate,

  reserve-se todo para

  as bodas que ninguém sabe

  quando virão,

  se é que virão.

  O amor, Carlos, você telúrico,

  a noite passou em você,

  e os recalques se sublimando,

  lá dentro um barulho inefável,

  rezas,

  vitrolas,

  santos que se persignam,

  anúncios do melhor sabão,

  barulho que ninguém sabe

  de quê, praquê.

  Entretanto você caminha

  melancólico e vertical.

  Você é a palmeira, você é o grito

  que ninguém ouviu no teatro

  e as luzes todas se apagam.

  O amor no escuro, não, no claro,

  é sempre triste, meu filho, Carlos,

  mas não diga nada a ninguém,

  ninguém sabe nem saberá.

  DON’T KILL YOURSELF

  Carlos, calm down, love

  is exactly what you’re seeing:

  a kiss today, none tomorrow,

  the day after tomorrow’s Sunday,

  and Monday no one knows

  what will happen.

  There’s no use fretting,

  let alone committing suicide.

  Don’t do it, don’t kill yourself,

  save yourself, all of you,

  for the wedding to take place

  no one knows when,

  if ever.

  Love spent the night in you,

  Carlos, earthly Carlos,

  and desire, seeking expression,

  stirred an ineffable inner hubbub,

  prayers,

  record players,

  saints crossing themselves,

  ads for the best soap,

  a hubbub about no one knows

  what, or why.

  And you keep walking,

  melancholy and upright.

  You’re the palm tree, you’re the shout

  no one heard in the theater

  and all the lights went out.

  Love in the dark, no, in daylight,

  is always sad, my dear Carlos,

  but don’t tell anyone,

  no one knows or will know.

  SEGREDO

  A poesia é incomunicável.

  Fique torto no seu canto.

  Não ame.

  Ouço dizer que há tiroteio

  ao alcance do nosso corpo.

  É a revolução? o amor?

  Não diga nada.

  Tudo é possível, só eu impossível.

  O mar transborda de peixes.

  Há homens que andam no mar

  como se andassem na rua.

  Não conte.

  Suponha que um anjo de fogo

  varresse a face da terra

  e os homens sacrificados

  pedissem perdão.

  Não peça.

  SECRET

  Poetry can’t be communicated.

  Stay knotted up in your corner.

  Don’t love.

  I hear there’s shooting

  and we’re within range.

  Is it the revolution? Love?

  Don’t say a thing.

  Everything’s possible, only I’m impossible.

  The sea’s overflowing with fish.

  There are men who walk on the sea

  as if on the street.

  Don’t tell.

  Suppose an angel of fire

  were to sweep the face of the earth

  and the people being sacrificed

  begged for mercy.

  Don’t beg.

  SENTIMENTO DO MUNDO / FEELING OF THE WORLD (1940)

  SENTIMENTO DO MUNDO

  Tenho apenas duas mãos

  e o sentimento do mundo,

  mas estou cheio de escravos,

  minhas lembranças escorrem

  e o corpo transige

  na confluência do amor.

  Quando me levantar, o céu

  estará morto e saqueado,

  eu mesmo estarei morto,

  morto meu desejo, morto

  o pântano sem acordes.

  Os camaradas não disseram

  que havia uma guerra

  e era necessário

  trazer fogo e alimento.

  Sinto-me disperso,

  anterior a fronteiras,

  humildemente vos peço

  que me perdoeis.

  Quando os corpos passarem,

  eu ficarei sozinho

  desfiando a recordação

  do sineiro, da viúva e do microscopista

  que habitavam a barraca

  e não foram encontrados

  ao amanhecer

  esse amanhecer

  mais noite que a noite.

  FEELING OF THE WORLD

  I have just two hands

  and the feeling of the world,

  but I’m teeming with slaves,

  my memories are streaming

  and my body yields

  at the crossroads of love.

  When I get up, the sky

  will be dead and plundered,

  I myself will be dead,

  my desire and the songless

  swamp dead.

  My comrades didn’t tell me

&nbs
p; that a war was on

  and I needed

  to bring arms and food.

  I feel scattered,

  before any borders,

  and I humbly beseech

  your pardon.

  When the bodies pass

  I’ll stay on alone

  unraveling the memory

  of the bell ringer, the widow, and the microscope man

  who lived in the tent

  and were missing

  the next morning

  that morning

  more night than the night.

  CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO

  Alguns anos vivi em Itabira.

  Principalmente nasci em Itabira.

  Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.

  Noventa por cento de ferro nas calçadas.

  Oitenta por cento de ferro nas almas.

  E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

  A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,

  vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

  E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,

  é doce herança itabirana.

  De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:

  esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;

  este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;

  este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;

  este orgulho, esta cabeça baixa …

  Tive ouro, tive gado, tive fazendas.

  Hoje sou funcionário público.

  Itabira é apenas uma fotografia na parede.

  Mas como dói!

  CONFESSIONS OF A MAN FROM ITABIRA

  I lived for some years in Itabira.

  The main thing is: I was born in Itabira.

  That’s why I’m sad, proud, iron to the core.

  Ninety percent iron sidewalks.

  Eighty percent iron souls.

  And estrangement from all that’s porous and communicates in life.

  The longing to love, which cripples my work,

  comes from Itabira, from its white nights, without women or horizons.

  And suffering, one of my favorite pastimes,

  is a sweet inheritance from Itabira.

  I brought some presents from Itabira that I’d like you to have:

  this iron stone, future steel of Brazil;

  this Saint Benedict of Alfredo Duval, venerable sculptor of saints;

  this tapir hide that covers the living room sofa;

  this pride, this bowed head …

  I had gold, I had cattle, I had farms.

  Today I’m a civil servant.

  Itabira is just a photo on the wall.

  But how it aches!

  MÃOS DADAS

 

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