Education by Stone

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Education by Stone Page 5

by Joao Cabral de Melo Neto

not as crosses but masts

  — masts of ships that are sinking.

  Alguns toureiros

  Eu vi Manolo González

  e Pepe Luís, de Sevilha:

  precisão doce de flor,

  graciosa, porém precisa.

  Vi também Julio Aparicio,

  de Madrid, como Parrita:

  ciência fácil de flor,

  espontânea, porém estrita.

  Vi Miguel Báez, Litri,

  dos confins da Andaluzia,

  que cultiva uma outra flor,

  angustiosa de explosiva.

  E também Antonio Ordóñez,

  que cultiva flor antiga:

  perfume de renda velha,

  de flor em livro dormida.

  Mas eu vi Manuel Rodríguez,

  Manolete, o mais deserto,

  o toureiro mais agudo,

  mais mineral e desperto,

  o de nervos de madeira,

  de punhos secos de fibra,

  o de figura de lenha,

  lenha seca de caatinga,

  o que melhor calculava

  o fluido aceiro da vida,

  o que com mais precisão

  roçava a morte em sua fímbria,

  o que à tragédia deu número,

  à vertigem, geometria,

  decimais à emoção

  e ao susto, peso e medida,

  sim, eu vi Manuel Rodríguez,

  Manolete, o mais asceta,

  não só cultivar sua flor

  mas demonstrar aos poetas:

  como domar a explosão

  com mão serena e contida,

  sem deixar que se derrame

  a flor que traz escondida,

  e como, então, trabalhá-la

  com mão certa, pouca e extrema:

  sem perfumar sua flor,

  sem poetizar seu poema.

  A Few Matadors

  I saw Manolo González

  and Pepe Luis of Seville:

  sweet precision of flowers,

  gracefully meticulous.

  I also saw Julio Aparicio,

  from Madrid, like “Parrita”:

  simple science of flowers,

  spontaneous yet strict.

  I saw Miguel Báez, “Litri,”

  from down in Andalusia,

  who grows a different flower:

  anguished and explosive.

  And also Antonio Ordóñez,

  whose ancient flower exudes

  the fragrance of old lace,

  of flowers that sleep in books.

  But then I saw Manuel Rodríguez,

  “Manolete,” the arid one,

  the most mineral of all matadors,

  the sharpest and most awake,

  the one with wooden nerves,

  with dry and fibrous fists,

  and a figure like a stick,

  a stick of dried-out brush,

  the one who could best calculate

  the steely fluid of life,

  who with the greatest precision

  brushed with death on the fringe,

  who gave a number to tragedy,

  decimals to feelings,

  to vertigo a geometry,

  and height and weight to fear.

  Yes I saw Manuel Rodríguez,

  “Manolete,” the most ascetic,

  not only nurture his flower

  but demonstrate to poets:

  how to tame the explosion

  with a quiet, restrained hand,

  being careful not to spill

  his flower, hidden from view,

  and how, then, to use that force

  with sure hand, swift and fierce,

  without perfuming his flower,

  without poetizing his poem.

  Cemitério pernambucano

  (Nossa Senhora da Luz)

  Nesta terra ninguém jaz,

  pois também não jaz um rio

  noutro rio, nem o mar

  é cemitério de rios.

  Nenhum dos mortos daqui

  vem vestido de caixão.

  Portanto, eles não se enterram,

  são derramados no chão.

  Vêm em redes de varandas

  abertas ao sol e à chuva.

  Trazem suas próprias moscas.

  O chão lhes vai como luva.

  Mortos ao ar-livre, que eram,

  hoje à terra-livre estão.

  São tão da terra que a terra

  nem sente sua intrusão.

  Cemetery in Pernambuco

  (Nossa Senhora da Luz)

  Here no one lies at rest,

  even as a river does not rest

  in another river, nor is

  the sea a cemetery of rivers.

  None of these dead

  comes dressed in a coffin,

  which is why they aren’t buried

  but spilled into the ground.

  They come in hammocks that swung

  on porches open to rain and sun.

  They bring their own flies.

  The ground fits them like a glove.

  Dead when they walked in the open air,

  now they inhabit the open earth,

  and so earthly are they that the earth

  does not even feel their intrusion.

  from

  Quaderna / Four-spot

  1960

  Cemitério alagoano

  (Trapiche da Barra)

  Sobre uma duna da praia

  o curral de um cemitério,

  que o mar todo o dia, todos,

  sopra com vento antissético.

  Que o mar depois desinfeta

  com água de mar, sanativa,

  e depois, com areia seca,

  ele enxuga e cauteriza.

  O mar, que só preza a pedra,

  que faz de coral suas árvores,

  luta por curar os ossos

  da doença de possuir carne,

  e para curá-los da pouca

  que de viver ainda lhes resta,

  lavadeira de hospital,

  o mar esfrega e reesfrega.

  Cemetery in Alagoas

  (Trapiche da Barra)

  On a dune next to the beach

  lies this corral of a cemetery,

  which the sea each day, all day long,

  sweeps with an antiseptic wind,

  and which then it disinfects

  with its salubrious saltwater,

  and then, with arid sand,

  dries and cauterizes.

  The ocean, prizing only stones

  and taking coral for its trees,

  fights to cure the bones

  of the disease of having flesh,

  and to cure them of the shreds

  left over from their life,

  an untiring hospital maid,

  it scrubs and scrubs and scrubs.

  A mulher e a casa

  Tua sedução é menos

  de mulher do que de casa:

  pois vem de como é por dentro

  ou por detrás da fachada.

  Mesmo quando ela possui

  tua plácida elegância,

  esse teu reboco claro,

  riso franco de varandas,

  uma casa não é nunca

  só para ser contemplada;

  melhor: somente por dentro

  é possível contemplá-la.

  Seduz pelo que é dentro,

  ou será, quando se abra;

  pelo que pode ser dentro

  de suas paredes fechadas;

  pelo que dentro fizeram

  com seus vazios, com o nada;

  pelos espaços de dentro,

  não pelo que dentro guarda;

  pelos espaços de dentro:

  seus recintos, suas áreas,

  organizando-se dentro

  em corredores e salas,

  os quais sugerindo ao homem

  estâncias aconchegadas,

  paredes bem revestidas

  ou recessos bons de cavas,


  exercem sobre esse homem

  efeito igual ao que causas:

  a vontade de corrê-la

  por dentro, de visitá-la.

  The Woman and the House

  Your seductive charm is more

  like that of a house than of a woman,

  coming as it does from within,

  from what is behind the façade.

  Even when it exhibits

  your quiet elegance,

  your sheer plaster glow

  and frank laughter of verandas,

  a house never exists

  merely to be contemplated;

  or rather, only from within

  can one really contemplate it.

  It seduces by what is within

  or will be, when it is opened;

  by what it might turn out to be

  inside its closed walls;

  by what has been done inside

  with its emptiness, the nothingness;

  by its interior spaces,

  not by what it contains;

  by the interior spaces

  — its divisions, its areas,

  how they are organized

  into rooms and hallways —

  which, suggesting to man

  comfortable quarters,

  smoothly finished walls

  or hiding places in cellars,

  arouse in that man

  the same feeling you do:

  the desire to go inside

  and explore all through.

  Cemitério paraibano

  (entre Flores e Princesa)

  Uma casa é o cemitério

  dos mortos deste lugar.

  A casa só, sem puxada,

  e casa de um só andar.

  E da casa só o recinto

  entre a taipa lateral.

  Nunca se usou o jardim;

  muito menos, o quintal.

  E casa pequena: própria

  menos a hotel que a pensão:

  pois os inquilinos cabem

  no cemitério saguão,

  os poucos que, por aqui

  recusaram o privilégio

  de cemitérios cidades

  em cidades cemitérios.

  Cemetery in Paraíba

  (between Flores and Princesa)

  This cemetery is a house

  for those who herein lie.

  A house without attachments,

  a house of just one story.

  And only the part of a house

  enclosed by the stucco walls.

  No one ever used the garden,

  much less the surrounding yard.

  Too small to be a hotel,

  it’s more like a boardinghouse,

  with a cemetery lobby

  just big enough to hold

  those few residents who,

  coming here, refused

  the privilege of city cemeteries

  in cemetery cities.

  A palavra seda

  A atmosfera que te envolve

  atinge tais atmosferas

  que transforma muitas coisas

  que te concernem, ou cercam.

  E como as coisas, palavras

  impossíveis de poema:

  exemplo, a palavra ouro,

  e até este poema, seda.

  É certo que tua pessoa

  não faz dormir, mas desperta;

  nem é sedante, palavra

  derivada da de seda.

  E é certo que a superfície

  de tua pessoa externa,

  de tua pele e de tudo

  isso que em ti se tateia,

  nada tem da superfície

  luxuosa, falsa, acadêmica,

  de uma superfície quando

  se diz que ela é “como seda”.

  Mas em ti, em algum ponto,

  talvez fora de ti mesma,

  talvez mesmo no ambiente

  que retesas quando chegas

  há algo de muscular,

  de animal, carnal, pantera,

  de felino, da substância

  felina, ou sua maneira,

  de animal, de animalmente,

  de cru, de cruel, de crueza,

  que sob a palavra gasta

  persiste na coisa seda.

  The Word Silk

  The atmosphere surrounding you

  reaches heights in which

  it changes many things

  concerning you or near you.

  And as well as things, words

  impossible in poems:

  for instance, the word gold

  and, until this poem, silk.

  True, your person arouses

  rather than inducing sleep;

  nor is it a sedative, a word

  derived from the word for silk.

  And it’s true that the surface

  of your outward person,

  of your skin and of all

  that gropes inside you,

  has nothing of the luxurious,

  false, academic surface

  — that surface designated

  by the phrase “like silk.”

  But in you, somewhere,

  or perhaps outside you,

  perhaps in the ambience

  made tense by your presence,

  there’s something muscular,

  animal, carnal, pantherish,

  catlike — catlike in substance

  or in a cat’s way of being —

  something animal, animalistic,

  crude, cruel — a cruelty — which

  beneath the worn-out word

  persists in the thing silk.

  Cemitério pernambucano

  (Floresta do Navio)

  Antes de se ver Floresta

  se vê uma Constantinopla

  complicada com barroco,

  gótico e cenário de ópera.

  É o cemitério. E esse estuque

  tão retórico e florido

  é o estilo doutor, do gosto

  do orador e do político,

  de um político orador

  que em vez de frases, com tumbas

  quis compor esta oração

  toda em palavras esdrúxulas,

  esdrúxula, na folha plana

  do Sertão, onde, desnuda,

  a vida não ora, fala,

  e com palavras agudas.

  Cemetery in Pernambuco

  (Floresta do Navio)

  Before seeing Floresta

  one sees a Constantinople

  with touches of baroque,

  gothic, and opera scenery.

  It’s the cemetery, with its

  florid and rhetorical plaster

  cast in the orotund style

  of the speaker or politician,

  of a political speaker

  who instead of sentences

  used tombs to make this speech,

  all in grandiloquent language —

  grandiloquence, on the flat sheet

  of the backlands, where naked

  life does not make speeches

  but talks with short sharp words.

  Cemitério pernambucano

  (Custódia)

  É mais prático enterrar-se

  em covas feitas no chão:

  ao sol daqui, mais que covas,

  são fornos de cremação.

  Ao sol daqui, as covas logo

  se transformam nas caieiras

  onde enterrar certas coisas

  para, queimando-as, fazê-las:

  assim, o tijolo ainda cru,

  as pedras que dão a cal

  ou a capoeira raquítica

  que dá o carvão vegetal.

  Só que nas covas caieiras

  nenhuma coisa é apurada:

  tudo se perde na terra,

  em forma de alma, ou de nada.

  Cemetery in Pernambuco

  (Custódia)

  It’s more practical to be buried

  in graves dug in the ground:

  under this sun, more than graves


  they are crematory ovens.

  Under this sun soon the graves

  are transformed into kilns

  where certain things are buried

  to burn into finished form:

  so it is with still raw bricks,

  the stones that become lime,

  and the slashed and burnt brush

  that changes into charcoal.

  But in these graves-turned-kilns

  the contents are not refined:

  all is lost in the earth,

  in the form of a soul, or nothing.

  from

  Dois parlamentos / Two Parliaments

  1961

  Festa na casa-grande

  (ritmo deputado; sotaque nordestino)

  I

  — O cassaco de engenho,

  o cassaco de usina:

  — O cassaco é um só

  com diferente rima.

  — O cassaco de engenho

  bangüê ou fornecedor:

  — A condição cassaco

  é o denominador.

  — O cassaco de engenho

  de qualquer Pernambuco:

  — Dizendo-se cassaco

  se terá dito tudo.

  — Seja qual for seu nome,

  seu trabalho, seu soldo:

  — Dizendo-se cassaco

  se terá dito todos.

  6

  — O cassaco de engenho

  quando é criança:

  — Parece cruzamento

  de caniço com cana.

  — O cassaco de engenho

  criança é mais caniço:

  — Puxa mais bem ao pai

  porque não é maciço.

  — O cassaco de engenho

  quando é criança:

  — Não só puxa ao caniço,

  puxa também à cana.

  — Mas à cana de soca,

  repetida e sem força:

  — A cana fim de raça,

  de quarta ou quinta folha.

  II

  — O cassaco de engenho

  quando é mulher:

  — É um saco vazio

  mas que se tem de pé.

  — O cassaco de engenho

  mulher é como um saco:

  — De açúcar, mas sem ter

  açúcar ensacado.

  — O cassaco de engenho

  quando é mulher:

  — Não é um saco capaz

  de conservar, conter.

  — É um saco como feito

  para se derramar:

  — De outros que não se sabe

  como se fazem lá.

  16

 

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