Breves

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by Johnny Virgil




  Breves

  Johnny Virgil

  1ª. edição

  Blumenau

  2003

  Sumário

  Breves Canção

  I - Enquanto eu existir

  II - Esta mão, aquela mão

  III - É preciso viver

  Sobre teus campos de olhos

  IV - Eu poderia abrir os mares

  V - Na relva

  VI - O vento brinca na relva

  VII - Há dentro de minh'alma um corpo

  VIII - Poderias dizer se é verdade

  IX - Se procurares em teu peito

  Eis as estações da alma

  X - A minha casa não tem janelas

  XI - Vês o céu negro, as estrelas cegas

  Os teus olhos estão cegos

  XII - Eu saio pelas ruas noturnas

  XIII - Nós vivemos

  XIV - Eu serei esta flor

  XV - Eu quero tomar o mar

  Soneto

  Que importa se fomos ou não felizes?

  Elogio à Mestra

  O Louco

  A Rosa

  Posfácio

  Breves

  Canção

  Vamos, rema!, com teus braços,

  Tua alma, rema!, e canta

  Canções belas, rema!, e canções bobas,

  Somos crianças, remamos, e à brisa

  Das tardes mais quentes do ano

  Remamos, contra e a favor do vento.

  Vamos, rema!, com o esforço despendido

  Nas tensas tribulações do dia,

  Ó remador, rema!, teu peito

  É um lago onde a tua doçura,

  Rema!, ondula e se debruça,

  Vamos, que as tragédias um dia acabam,

  E os remos são nossas únicas raízes.

  I

  Enquanto eu existir,

  Minha vida correrá solta;

  Viverá um paraíso

  De universos, sóis e cores.

  Enquanto eu existir,

  O cálido odor da terra

  Será minha canção íntima:

  Ó mundo de graça eterna!

  II

  Esta mão, aquela mão.

  Mão delicada, mão rude.

  Mãozinha frágil, manzorra forte.

  Mão terna, mão tímida;

  Mão lisa, mão felpuda;

  Doce mão, grave mão.

  Largo devaneio.

  Largo beijo.

  Larga união.

  Esta mão, aquela mão.

  III

  É preciso viver

  A beleza de um beijo.

  É preciso ver nos lábios

  Duas asas de anjo que se comprimem.

  É preciso crer

  Num beijo insano,

  Numa boca que sonha

  E noutra que ama.

  Sobre teus campos de olhos,

  Sobre tuas montanhas de lábios,

  À margem da tua boca vulcânica,

  Construirei o meu casebre de sonhos.

  Tuas narinas serão grandes cavernas,

  Teus cílios – árvores gigantescas,

  Tua testa – planície infinita.

  Teus olhos serão janelas,

  Claros espelhos em que se mira

  A mais completa comunhão sensorial.

  Tua geografia

  Será terra e espaço,

  Sorvedouro e inebriamento.

  IV

  Eu poderia abrir os mares

  E, enfrentando as ondas negras e púrpuras,

  Desterrar tesouros nas regiões abissais:

  Pérolas, lava, metais...

  Eu poderia alçar-me aos céus

  E, entre as nuvens cinza-pálido,

  Trazer exemplos de estados fugazes:

  Gelo, água, gases...

  Eu, senhora minha,

  Só posso dar-te isso

  E dizer-te:

  – És como a pérola que enriquece,

  Como a lava que aquece,

  Como o metal que resplende.

  És, ainda, tão refrescante como gelo,

  Tão pura como água,

  Tão penetrante como gás.

  V

  Na relva,

  Nós dormimos como dois vagabundos,

  Um rente ao outro,

  Colando nossas barrigas tesas.

  Sinto-me um, indiviso.

  Há um filho na minha barriga.

  Dei-lhe o teu nome sacrossanto,

  Dou-lhe a tua forma encantadora.

  VI

  O vento brinca na relva

  E acaricia a copa das árvores.

  A relva representa um menino solerte,

  E as árvores são meninas esbeltas.

  VII

  Há dentro de minh'alma um corpo.

  Há dentro de minh'alma um sonho.

  Um corpo, um sonho – o teu adeus.

  Partiste com tua alma e teu corpo.

  Deixaste-me a imagem de um sonho.

  E vivo a dor desse eterno adeus.

  VIII

  Poderias dizer se é verdade

  O que sinto

  – Se é sonho, se é amor?...

  Todo o meu corpo estremece,

  Meu peito murcha e sangra.

  Jamais serei feliz.

  O amor é a máscara mais perfeita do ódio.

  IX

  Se procurares em teu peito,

  Encontrarás a música ideal.

  Embala teus sonhos diários

  Ao som das batidas cardíacas;

  Chora a alegria que assoma

  Aos teus olhos cristalinos;

  Ri, e ama o que desprezaste.

  Faze da tua pulsação,

  Do teu sangue,

  Um hino à eternidade da alma.

  Eis as estações da alma:

  Nascemos do calor dum suspiro

  E da terna pulsação da pele.

  Conhecemos o mundo como aves

  Que migram para terras estrangeiras.

  Vivemos a geleira das banquisas

  E o solo apático das contradições.

  Fenecemos no desejo de enlaçar

  Os pássaros que pousam em nossas pétalas.

  X

  A minha casa não tem janelas.

  Pode-se admirar o céu coberto de estrelas.

  A minha casa tem portas com trancas de ferro.

  Sou um rei no universo privado.

  Tenho um poço, uma fonte,

  Cavalos e pomares.

  Uma esposa, filhos e filhas.

  Ouço os ruídos do mundo.

  Vejo as cores dos desertos,

  Os matizes estranhos do dia

  E o negro magnífico das noites!

  Deito-me sob as cobertas de lã

  E sonho com impérios, e guerras,

  E sábios, e santos, e poetas.

  Ouço aquele apelo sonoro,

  As vozes canoras de cantores,

  A beleza dos versos e das palavras!

  As sensações misturam-se,

  E sinto que algo aflora,

  Que uma nova pessoa nasceu em mim

  E pretende tomar o meu corpo.

  Não lutarei contra esse intruso.

  Serei paciente e pacífico,

  Como o luar e como as flores.

  Não irei contra as leis

  Que me fazem parte dessa terra amada,

  Desse solo desértico, desse mundo aberto

  Em que passeia a minha alma.

  XI

  Vês o céu negro, as estrelas cegas

  Que já não resplendem?

  Vês a floresta negra, as árvores velhas

  Que ladeiam os caminhos?

  Meus pés pisam o cascalho.

  Faço ruídos.

  Aspiro o ar frio da noite.

  Avanço.

  Os galhos pesados
de árvores imensas

  Formam arcos sobre minha cabeça.

  Vês quanto medo, o terror

  Que me deixa indefeso?

  Vês quanto medo alimentam

  Meus pés que temem a noite?

  Dois pés, um corpo, um adeus.

  Os teus olhos estão cegos,

  A noite já desceu,

  E não podes mais ler os livros sagrados.

  XII

  Eu saio pelas ruas noturnas.

  Levo nos braços rolos de papiro

  Em que jazem escritos

  Poemas mortos e falsos.

  Há na minha boca um gosto amargo,

  Uma palavra que arranha a língua,

  Que se esconde atrás dos dentes,

  Que se balança na garganta.

  Eu saio pelas ruas desertas

  À procura de um poema morto,

  De uma cara que perdi

  Em um desses becos escuros.

  Há na minha boca um beijo mudo,

  Uma palavra que suspira

  E que se cala

  À força de um murro.

  XIII

  Nós vivemos

  Das sombras dos edifícios arruinados,

  Do eco das liras sem cordas

  E dos presentes que não nos demos.

  Nós vivemos

  Dos caminhos que rejeitamos,

  Das trilhas que permaneceram virgens

  E dos sonhos azuis abortados.

  Nós vivemos, de um modo ou de outro,

  Buscando viver o que não vivemos;

  Buscando a luz que não foi acesa,

  A flor que não regaram,

  A palavra que nunca ousaram pronunciar.

  XIV

  Eu serei esta flor

  Que nasceu rente à muralha.

  Eu serei essa flor púrpura

  Defronte aos blocos retangulares.

  Eu serei essa flor frágil

  Que vive apenas um segundo,

  Que morre esmagada

  Como todas as flores do mundo.

  XV

  Eu quero tomar o mar,

  Domar.

  Sobre as ondas palpitantes,

  À mercê dos zéfiros...

  Sob o brilho fugidio das luas,

  Das estrelas-do-mar...

  Eu encontrarei nos abismos

  As ruínas das atlântidas,

  Os olhares dos narcisos,

  As legiões de Netuno.

  Eu quero tomar este mar

  De água salgada

  – Água atlântica, narcisista, netuniana –

  Que se chama Lágrima.

  Soneto

  Alguém baterá dez mil vezes

  À tua porta cega e cerrada.

  Tu não ouvirás o olhar negro

  Que louco à tua porta bate.

  Portanto tu não tens ouvidos,

  Nem os olhos para a verdade.

  A tua casa está vazia;

  Teu coração, absorto e vago.

  Esqueceste os toques tão surdos

  À tua porta de dores, males.

  Já feneceram os olhares.

  E já feneceram as rosas,

  Rosas negras de amores mortos.

  Ah! não pertences mais ao mundo.

  Que importa se fomos ou não felizes?

  A vida é dura para todos.

  Cansam-nos as tristezas.

  Que importa se temos chorado continuamente?

  Estivemos, na verdade, tão perto da morte...

  Nossas lágrimas ridículas, nossas queixas

  São tão inúteis quanto os sorrisos.

  Elogio à Mestra

  A Marita Deeke Sasse, in memoriam

  As mais belas árvores são as que plantaste.

  Tu as escolheste bem.

  Foste paciente, ao regá-las

  Ao crepúsculo ou após a alba.

  Só tu sabias como tornar verde

  A ramagem pálida, após um dia de sol.

  A delicadeza das tuas mãos

  Fez as árvores crescer com estupenda rapidez,

  E os sorrisos que lhes ofereceste,

  Nos momentos de gloriosa transcendência,

  Serviram de adubo e de alento.

  E, assim como emprestaste tua vida

  À realização dos sonhos que não foram os teus,

  Plantaste mais que consumiste,

  Foste a dádiva sem preço

  Dos verdes corações que alimentaste.

  Sob tuas mãos houve apenas alegria.

  Os que te viram partir soluçavam,

  Ao final do dia.

  Mas as árvores serão a tua memória

  E a certeza de que venceste

  Os simbólicos desafios da jardinagem.

  O Louco

  Havia um louco na minha cidade.

  E ele era meu filho.

  Aqueles seus cabelos negros,

  Aquele seu olhar morto,

  Aqueles seus membros desajeitados...

  Quanto amor eu tinha a ele!

  Eu seguia seus passos tortos,

  Admirava seus sorrisos tolos.

  E ele beijava minhas faces,

  Beijava-as com amor...

  Eu abraçava-o,

  Ele abraçava-me.

  À tarde, éramos dois bobos

  Na praça da cidade.

  Ele crescia.

  Eis o meu filho amado!

  Quanto maior o seu corpo,

  Maior a sua loucura...

  Um dia, vieram-me dizer

  Que meu filho jazia estirado

  Numa rua afastada.

  Eu corri, desvairada,

  Desarvorada,

  Inconsciente.

  Quando chego,

  A multidão afasta-se,

  E vejo, no chão,

  Meu filho de ouro.

  O sangue descia-lhe o pescoço.

  Uma pedra ferira sua cabeça.

  Seus olhos mortos

  Haviam finalmente morrido.

  Sentei-me ao lado de seu corpo frio,

  Peguei a mão rígida

  E gritei aos anjos do Céu:

  "Injustos anjos,

  Acolham esta criança tola.

  Acolham este coração de mãe

  Que partiu."

  Ela tomou em seus braços tortos

  O filho apedrejado

  E levou-o para casa.

  Enterrou-o no jardim

  De flores dengosas.

  Desde então, eu sou esta mulher pobre

  Que só planta flores,

  Que não come, não vive, não ama.

  Sou tão louca quanto era meu filho.

  A Rosa

  Uma Rosa

  Existiu um dia

  Uma rosa entre outras várias...

  O Jardim

  As rosas são flores românticas.

  "Rego as flores o dia inteiro,

  Para que elas fiquem com a cor mais linda.

  Sonhar é o que faço, ao jogar-lhes a água,

  Rejuvenescedora dos corpos.

  Amá-las é o que ensaio;

  Encontrar o amor é o que procuro.

  E estas flores são instrumentos que utilizo,

  Símbolos cheios de minha ternura."

  Vive sozinha num fim de estrada,

  Num beco sem saída,

  Mas que encanta por sua textura,

  Uma senhora, nem muito jovem, nem idosa.

  E esta rega flores, planta rosas,

  Que, com seus botões multicolores,

  Resplandecem a distância.

  E quem os vê admira-se

  De uma beleza tão grande

  Em meio a uma feiúra de mulher.

  E parecem as pencas róseas

  Olhar sempre de encontro ao Sol.

  Brilham tanto esses pequenos pontos,

  Num mundo tão gigante...

  Essas plantas, por vezes, tornam-se únicas

  No Universo, tal sua grandiosidade.

  E a vitalidade desses seres

  É magnânima, fascinante...

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p; O verde, a vida

  Dominam a paisagem.

  Existe uma casa rústica;

  Existem um portão e uma cerca.

  Neste pequeno quadrado

  Repousa a essência da Natureza.

  Pois as flores são uma só alma,

  Uma profunda canção à vida.

  (...)

  A mulher: pobre mulher vivida!

  Na intensa solidão que é sua existência,

  Somente lhe restaram as flores.

  E ela acalenta-as,

  Acalentada pelas rosas é.

  Nem mesmo assim deixa de amar os outros,

  Que fogem dela por ser feia,

  Corcunda e maltrapilha.

 

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