Luis de Camoes Collected Poetical Works
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as was that Nero wedded with a boy,
who in foul incest showing horrid zest
his mother Agrippina dared enjoy;
Ne’er with strange cruel arts did he molest
the liege, nor gar’d the torch his town destroy;
he was no waster, no Heliogabalus,
no woman-king like soft Sardanapalus.
93
“Nem era o povo seu tiranizado,
Como Sicília foi de seus tiranos;
Nem tinha como Fálaris achado
Gênero de tormentos inumanos;
Mas o Reino, de altivo e costumado
A senhores em tudo soberanos,
A Rei não obedece, nem consente,
Que não for mais que todos excelente.
“Ne’er was his tyrannised people so chastised 93
as wretched Sicill by her tyrant bane;
ne like the despot Phalaris, he devised
novel inventions for inhuman pain:
But his high-hearted realm, which ever prized
lords of the highest hopes and sovran strain,
would ne’er whole-souled such a King obey,
who showed not fittest for the kingly sway.
94
“Por esta causa o Reino governou
O Conde Bolonhês, depois alçado
Por Rei, quando da vida se apartou
Seu irmão Sancho, sempre ao ócio dado.
Este, que Afonso o bravo, se chamou,
Depois de ter o Reino segurado,
Em dilatá-lo cuida, que em terreno
Não cabe o altivo peito, tão pequeno.
“Hence came the gov’ernance of the reign to right 94
the County Bolognese; and he arose
at length to kingship, when from life took flight
his brother Sancho sunk in soft repose.
This, whom the ‘ Brave Afonso’ subjects hight,
when fenced his kingdom from internal foes,
strives to dilate it; what his Sire possest
is worlds too narrow for so big a breast.
95
“Da terra dos Algarves, que lhe fora
Em casamento dada, grande parte
Recupera co’o braço, e deita fora
O Mouro, mal querido já de Marte.
Este de todo fez livre e senhora
Lusitânia, com força e bélica arte;
E acabou de oprimir a nação forte,
Na terra que aos de Luso coube em sorte.
“Of both Algarves, given to his hand 95
in gift of bridal dowry, greater part
his arm recovers, and outdrives the band
of Moors ill-treated now by hostile Mart.
He freed and made the Mistress of her Land
our Lusitania, such his bellic art;
till final ruin whelmed the mighty hordes
where’er Earth owned Lusus’ subjects lords.
96
“Eis depois vem Dinis, que bem parece
Do bravo Afonso estirpe nobre e dina,
Com quem a fama grande se escurece
Da liberalidade Alexandrina.
Com este o Reino próspero florece
(Alcançada já a paz áurea divina)
Em constituições, leis e costumes,
Na terra já tranquila claros lumes.
“See, next that Diniz comes in whom is seen 96
the ‘brave Afonso’s’ offspring true and digne;
whereby the mighty boast obscured been,
the vaunt of lib’eral Alexander’s line:
Beneath his sceptre blooms the land serene
(already c ompast golden Peace divine)
with constitution, customs, laws and rights,
a tranquil country’s best and brightest lights.
97
“Fez primeiro em Coimbra exercitar-se
O valeroso ofício de Minerva;
E de Helicona as Musas fez passar-se
A pisar do Monde-o a fértil erva.
Quanto pode de Atenas desejar-se,
Tudo o soberbo Apolo aqui reserva.
Aqui as capelas dá tecidas de ouro,
Do bácaro e do sempre verde louro.
“The first was he who made Coimbra own 97
Pallas-Minerva’s gen’erous exercise;
he called the Muses’ choir from Helicon
to tread the lea that by Mondego lies:
Whate’er of good whilere hath Athens done,
here proud Apollo keepeth ev’ery prize:
Here gives he garlands wove with golden ray,
with perfumed Nard and ever-verdant Bay.
98
“Nobres vilas de novo edificou
Fortalezas, castelos mui seguros,
E quase o Reino todo reformou
Com edifícios grandes, e altos muros.
Mas depois que a dura Átropos cortou
O fio de seus dias já maduros,
Ficou-lhe o filho pouco obediente,
Quarto Afonso, mas forte e excelente.
“Brave towns and cities reared his hand anew, 98
stout fortalice, and strongly-castled mure,
while his well-nigh reformed kingdom grew
with stalwart towers and lofty walls secure:
But when dure Atropos cut short the clew,
and shore the thin-spun thread of life mature,
arose, to filial duty nidering
the fourth Afonso, yet a brave good King.
99
“Este sempre as soberbas Castelhanas
Co’o peito desprezou firme e sereno,
Porque não é das forças Lusitanas,
Temer poder maior, por mais pequeno.
Mas porém, quando as gentes Mauritanas,
A possuir o Hespérico terreno
Entraram pelas terras de Castela,
Foi o soberbo Afonso a socorrê-la.
“This proud Castile’s bravades with equal pride 99
despised, of soul and breast serenely grand;
for aye the Lusitanian’s sprite defied
fear of the strongest, though the smaller band:
But when the Mauritanian races hied
to win and wear Hesperia’s winsome land,
and marched boldly to debel Castile
superb Afonso went to work her weal.
100
“Nunca com Semirâmis gente tanta
Veio os campos idáspicos enchendo,
Nem Atila, que Itália toda espanta,
Chamando-se de Deus açoute horrendo,
Gótica gente trouxe tanta, quanta
Do Sarraceno bárbaro estupendo,
Co’o poder excessivo de Granada,
Foi nos campos Tartésios ajuntada.
“Ne’er did Semiramis such myriads see 100
who o’er the wide Hydaspick prairie trod;
nor Attila, — who daunteth Italy
with dreadful boast, self-titled ‘Scourge of God,’ —
hurried such Gothick hosts to victory,
as the wild Saracens’ stupendous crowd,
with all th’ excessive might Granada yields
that flockt to battle on Tartessus’ fields.
101
“E vendo o Rei sublime Castelhano
A força inexpugnábil, grande e forte,
Temendo mais o fim do povo hispano,
Já perdido uma vez, que a própria morte,
Pedindo ajuda ao forte Lusitano,
Lhe mandava a caríssima consorte,
Mulher de quem a manda, e filha amada
Daquele a cujo Reino foi mandada.
“When saw Castilia’s monarch, high and haught, 101
such force inexpugnable fain of strife,
dreading lest all Hispania come to naught,
once lost ere this, far more than loss of life;
aid of our Lusian chivalry he sought
and sent the summons by his dearest wife,
his spouse who sends her, and the joy
and pride
of the fond Father to whose realm she hied.
102
“Entrava a formosíssima Maria
Pelos paternais paços sublimados,
Lindo o gesto, mas fora de alegria,
E seus olhos em lágrimas banhados;
Os cabelos angélicos trazia
Pelos ebúrneos ombros espalhados:
Diante do pai ledo, que a agasalha,
Estas palavras tais, chorando, espalha:
“Enter’d Maria, fairest of the fair, 102
her Father’s palace-halls of tow’ering height;
lovely her gest though joy was crusht by care
that brimmed her beauteous eyes with tears that
blight:
and waved her glorious wealth of golden hair
o’er neck and shoulders iv’ory-smooth and white:
Before her gladly-greeting Sire she stood,
and told her mission in this melting mood: —
103
— “Quantos povos a terra produziu
De África toda, gente fera e estranha,
O grão Rei de Marrocos conduziu
Para vir possuir a nobre Espanha:
Poder tamanho junto não se viu,
Depois que o salso mar a terra banha.
Trazem ferocidade, e furor tanto,
Que a vivos medo, e a mortos faz espanto.
“‘Whatever various races Earth hath borne, 103
the fierce strange peoples of all Africk-land
leadeth Marocco’s mighty Monarch, sworn
our noble Spain to conquer and command:
Power like this ne’er met beneath the Morn
since bitter Ocean learnt to bathe the strand:
They bring such fierceness and a rage so dread
the Living shake and quake the buried Dead.
104
— “Aquele que me deste por marido,
Por defender sua terra amedrontada,
Co’o pequeno poder, oferecido
Ao duro golpe está da Maura espada;
E se não for contigo socorrido,
Ver-me-ás dele e do Reino ser privada,
Viúva e triste, e posta em vida escura,
Sem marido, sem Reino, e sem ventura.
“‘He to whose arms thou gavest me to wife, 104
his land defending when such foes invade,
offers himself, o’erfeeble for the strife,
to the hard mercies of the Moorish blade;
if, Sire! thou deign not aid that all-dear life,
me shalt thou see from out the kingdom fade,
widowed, wretched, doomed to lot obscure,
sans realm, sans husband, e’en sans life secure.
105
“Portanto, ó Rei, de quem com puro medo
O corrente Muluca se congela,
Rompe toda a tardança, acude cedo
A miseranda gente de Castela.
Se esse gesto, que mostras claro e ledo,
De pai o verdadeiro amor assela,
Acude e corre, pai, que se não corres,
Pode ser que não aches quem socorres.” —
“‘Wherefore, O King! of whom for purest fear, 105
Mulucha’s currents in their course congeal;
cast from thee dull delay, rise, swift appear
a second Saviour to our sad Castile:
If this thy countenance, beaming love so dear,
set on a Father’s fond proud heart its seal,
haste, Father! succour, an thou hasten not,
haply he faileth who thy succour sought.’
106
“Não de outra sorte a tímida Maria
Falando está, que a triste Vénus, quando
A Júpiter, seu pai, favor pedia
Para Eneias, seu filho, navegando;
Que a tanta piedade o comovia
Que, caído das mãos o raio infando,
Tudo o clemente Padre lhe concede,
Pesando-lhe do pouco que lhe pede.
“Not otherwise fear-filled Maria spake 106
her Sire, than Venus when, in saddest strain,
she pled to great All-Father for the sake
of her AEneas tossing on the Main;
and in Jove’s breast could such compassion ‘wake,
his dreadful thunders from his hand fall vain:
The clement Godhead all to her concedeth
and mourneth only that no more she needeth.
107
“Mas já co’os esquadrões da gente armada
Os Eborenses campos vão coalhados:
Lustra co’o Sol o arnês, a lança, a espada;
Vão rinchando os cavalos jaezados.
A canora trombeta embandeirada,
Os corações à paz acostumados
Vai às fulgentes armas incitando,
Pelas concavidades retumbando.
“But now the squadded warriors muster dense 107
on Eborensian plains with fierce array;
glint in the sun-glare harness, sword, spear, lance,
and richly furnisht destriers prance and neigh:
The banner’d trumpets with a blast advance,
rousing men’s bosoms from the gentle sway
of holy Peace to dire refulgent arms,
and down the dales reverb’erate War’s alarms.
108
“Entre todos no meio se sublima,
Das insígnias Reais acompanhado,
O valeroso Afonso, que por cima
De todos leva o colo alevantado;
E somente co’o gesto esforça e anima
A qualquer coração amedrontado.
Assim entra nas terras de Castela
Com a filha gentil, Rainha dela.
“Majestic marcheth, girt by all his powers, 108
th’ insignia of his Royal state among,
valiant Afonso, and his tall form towers
by neck and shoulders taller than the throng;
his gest alone embraves the heart that cowers,
in his stout presence wax the weaklings strong:
Thus to Castilians realm he leads his band,
with his fair daughter, Ladye of the Land.
109
“Juntos os dous Afonsos finalmente
Nos campos de Tarifa estão defronte
Da grande multidão da cega gente,
Para quem são pequenos campo e monte.
Não há peito tão alto e tão potente,
Que de desconfiança não se afronte,
Enquanto não conheça e claro veja
Que co’o braço dos seus Cristo peleja.
“In fine when met the Kings, Afonsos twain, 109
upon Tarifa’s field, they stand to front
that swarming host of stone-blind heathen men,
for whom are small the meadows and the mount.
No sprite there liveth of so tough a grain,
but feels its faith and trust of small account,
did it not clearly see and fully know,
CHRIST by His servants’ arms shall smite the foe.
110
“Estão de Agar os netos quase rindo
Do poder dos Cristãos fraco e pequeno,
As terras como suas repartindo
Antemão, entre o exército Agareno,
Que com título falso possuindo
Está o famoso nome Sarraceno.
Assim também com falsa conta e nua,
À nobre terra alheia chamam sua.
“The seed of Hagar laughing, as it were, 110
to view the Christian pow’er so weak, so mean;
begins the lands, as though their own, to share
ere won, among the conqu’ering Hagarene;
such forged title and false style they bear
claiming the famous name of Saracene:
Thus with false reckoning would they strip and spoil
calling it theirs, that noble alien soil.
111
“Qual o memb
rudo e bárbaro Gigante,
Do rei Saul, com causa, tão temido,
Vendo o pastor inerme estar diante,
Só de pedras e esforço apercebido,
Com palavras soberbas o arrogante
Despreza o fraco moço mal vestido,
Que, rodeando a funda, o desengana
Quanto mais pode a Fé que a força humana:
“E’en so the barb’arous Giant huge and gaunt, 111
with cause to royal Saul so dread appearing
when seen the swordless Shepherd stand afront,
armed but with pebbles and with heart unfearing;
launched his sneer of pride and arr’ogant taunt
at the weak youngling’s humble raiment jeering,
who, whirled the sling, soon read the lesson well,
how much shall Faith all human force excel:
112
“Desta arte o Mouro pérfido despreza
O poder dos Cristãos, e não entende
Que está ajudado da Alta Fortaleza,
A quem o inferno horrífico se rende.
Co ela o Castelhano, e com destreza
De Marrocos o Rei comete e ofende.
O Português, que tudo estima em nada,
Se faz temer ao Reino de Granada.
“Thus do the Moormen, traitor-souls, despise 112
our Christian forces, nor can understand
how Heav’en’s high fortress wonted aid affies,
which e’en horrific Hell may not withstand:
On this and on his skill Castile relies,
falls on Marocco’s King, strikes hand to hand:
The Portingall, who holds all danger light,
makes the Granadan kingdom fear his might.
113
“Eis as lanças e espadas retiniam
Por cima dos arneses: bravo estrago!
Chamam (segundo as leis que ali seguiam)
Uns Mafamede, e os outros Santiago.
Os feridos com grita o Céu feriam,
Fazendo de seu sangue bruto lago,
Onde outros meios mortos se afogavam,
Quando do ferro as vidas escapavam.
“Behold! the brandisht blade and lance at rest, 113
rang loud on coat and crest, a wild onset!
They cried, as each his several law confest,
these ‘Sanct’ Thiago!’ and those ‘Mahomet!’
The cries of wounded men the skies opprest,
whose flowing blood in ugly puddles met,
where other half-slain wretches drowning lay,
who dragged their shatter’d limbs from out the fray.
114
“Com esforço tamanho estrui e mata
O Luso ao Granadil, que, em pouco espaço,
Totalmente o poder lhe desbarata,
Sem lhe valer defesa ou peito de aço.
De alcançar tal vitória tão barata
Inda não bem contente o forte braço,
Vai ajudar ao bravo Castelhano,
Que pelejando está co’o Mauritano.
“With such prevailing force the Lusian fought 114