Luis de Camoes Collected Poetical Works
Page 69
against the Spaniards who four hundred strong,
to take them captive in their rear extend:
But to their sorrow these shall find ere long
the stout defenders also can offend:
Feat digne to last till Earth succumb to Time; —
in the far Past, in Present day sublime!
36
“Sabe-se antigamente que trezentos
Já contra mil Romanos pelejaram,
No tempo que os viris atrevimentos
De Viriato tanto se ilustraram,
E deles alcançando vencimentos
Memoráveis, de herança nos deixaram
Que os muitos, por ser poucos, não temamos:
O que depois mil vezes amestramos.
“How the three hundred Braves, ’twas known of old, 36
did with a thousand Romans battle wage,
in the good times when virile deeds and bold
which Viriatus did, illumed his age:
He snatcht memorious triumphs from their hold,
bequeathing this our noblest heritage,
the Brave tho’ few shall ne’er the Many fear,
as sithence thousand times we proved full clear.
37
“Olha cá dois infantes, Pedro e Henrique,
Progénie generosa de Joane:
Aquele faz que fama ilustre fique
Dele em Germânia, com que a morte engane;
Este, que ela nos mares o publique
Por seu descobridor, e desengane
De Ceita a Maura túmida vaidade,
Primeiro entrando as portas da cidade.
“Pedro and Henry view, those Infants twain 37
of kingly John the gen’erous progeny:
That gars his fame illustrious to remain
in German-land and doometh Death to die:
This Prince inspired by Heaven claimed the Main
as her Explorer; and lay bare the lie
of tumid Moor’s vain boast in Ceita’s wall,
and, forced the gateway, entered first of all.
38
“Vês o conde Dom Pedro, que sustenta
Dois cercos contra toda a Barbaria?
Vês, outro Conde está, que representa
Em terra Marte, em forças e ousadia;
De poder defender se não contenta
Alcácere da ingente companhia;
Mas do seu Rei defende a cara vida,
Pondo por muro a sua, ali perdida.
“See’st Country Pedro, daring to support 38
two sieges laid by Barb’ary’s might entire;
and see’st you other Count who shows the port
of earthly Mars in martial force and fire:
Sufficeth not to fence Alcacer-fort
from swarming hosts; his spirit flieth higher,
his King’s beloved life the Brave defends
ns stone-wall standing till his own he ends.
39
“Outros muitos verias, que os pintores
Aqui também por certo pintariam;
Mas falta-lhe pincel, faltam-lhe cores,
Honra, prémio, favor, que as artes criam:
Culpa dos viciosos sucessores,
Que degeneram, certo, e se desviam
Do lustre e do valor dos seus passados,
Em gostos e vaidades atolados.
“And here the Painters who in Art prevail, 39
pardie, had many painted and portray’d;
but fail their pencils and their colours, fail
prize, praise, and premium, of Art’s life the bread.
Fault of the vices flowing from th’ entail
of men degen’erate, who so far have stray’d
from valour’s paths where trod their lustrous sires,
deep mired in vanities and low desires.
40
“Aqueles pais ilustres que já deram
Princípio à geração que deles pende,
Pela virtude muito então fizeram,
E por deixar a casa, que descende.
Cegos, que dos trabalhos que tiveram,
Se alta fama e rumor deles se estende,
Escuros deixam sempre seus menores,
Com lhe deixar descansos corruptores.
“Those high illustr’ious Fathers who gave birth 40
to generations on their grace depending,
fought for fair HONOUR, sternly strove on Earth
to found a fam’ily that could bear descending:
Blind! if paternal toils of priceless worth,
won name, fame, claim so far and wide extending,
they leave their lesser sons but more obscure,
when left in crap’ulous vice to live impure.
41
“Outros também há grandes e abastados,
Sem nenhum tronco ilustre donde venham;
Culpa de Reis, que às vezes a privados
Dão mais que a mil, que esforço e saber tenham.
Estes os seus não querem ver pintados,
Crendo que cores vãs lhe não convenham,
E, como a seu contrairo natural,
A pintura, que fala, querem mal.
“Als there be others, sons of wealth and might, 41
who to no lordly tree by birth belong:
Fault of the Kings, who oft some favourite
prefer to thousands, wise and true and strong:
For these the painted Past hath poor delight,
feeling vain colours work them present wrong;
and aye as nat’ural foe in hate they bear
the speaking pictures which their semblance wear.
42
“Não nego que há contudo descendentes
Do generoso tronco, e casa rica,
Que com costumes altos e excelentes,
Sustentam a nobreza que lhe fica;
E se a luz dos antigos seus parentes
Neles mais o valor não clarifica,
Não falta ao menos, nem se faz escura.
Mas destes acha poucos a pintura.”
“Gainsay I not, that some of high descent 42
from wealthy houses, men of gen’erous strain,
still with their noble lives and excellent
‘herited titles worthily sustain:
And if the light which ancestry hath lent
no novel glory by their doings gain,
at least it faileth not, nor dim it groweth: —
But ah! few men like these the Painter knoweth.”
43
Assim está declarando os grandes feitos
O Gama, que ali mostra a vária tinta,
Que a douta mão tão claros, tão perfeitos,
Do singular artífice ali pinta.
Os olhos tinha prontos e direitos
O Catual na história bem distinta;
Mil vezes perguntava e mil ouvia
As gostosas batalhas que ali via.
Thus Gama’s el’oquence told the mighty deeds, 43
disclosed by various tints to stranger view,
where Art to sing’ular Artist-hand concedes
depainting Nature with her nat’ural hue.
The Cat’ual’s ready glance distinctly reads
the surd-mute story and the tale so true:
A thousand times he askt, a thousand heard
each tasteful battle which his eyne prefer’d.
44
Mas já a luz se mostrava duvidosa,
Porque a a lâmpada grande se escondia
Debaixo do Horizonte e luminosa
Levava aos Antípodas o dia,
Quando o Gentio e a gente generosa
Dos Naires da nau forte se partia
A buscar o repouso que descansa
Os lassos animais, na noite mansa.
And now the light a doubtful lustre showed, 44
when veiled the mighty Lamp its lucent ray
beneath the sky’s round rim, and lum’inous glowed
on our Antipodes the smile of Day:
<
br /> The gen’erous crowd of Nayrs and Géntoos rowed
off from the stalwart ship on homeward way,
seeking repose and sleep’s delicious swoon,
to weary beings Night-tide’s gentle boon.
45
Entretanto os Arúspices famosos
Na falsa opinião, que em sacrifícios
Antevêem sempre os casos duvidosos,
Por sinais diabólicos e indícios,
Mandados do Rei próprio, estudiosos
Exercitavam a arte e seus ofícios
Sobre esta vinda desta gente estranha,
Que às suas terras vem da ignota Espanha.
Meanwhile those Augurs who must fame affy 45
in false opinion, that by sacrifice
forecast of future things which dubious lie,
thro’ diabolick sign and show they wis;
by royal mandate hied Black Arts to ply,
and various offices ‘gan exercise,
to find what projects brought across the Main
unheard of foreigners from unknown Spain.
46
Sinal lhe mostra o Demo verdadeiro,
De como a nova gente lhe seria
Jugo perpétuo, eterno cativeiro,
Destruição de gente, e de valia.
Vai-se espantado o atónito agoureiro
Dizer ao Rei (segundo o que entendia)
Os sinais temerosos que alcançara
Nas entranhas das vítimas que olhara.
By Demon-aidance truthful sign they learn, 46
how doth this novel visitor portend
a yoke perpet’ual, servitude eterne,
the Race’s ruin and its valour’s end.
Th’ amazed Augur, whom the proofs constern,
wends to the King and tells (e’en as he ken’d)
the fearful symptoms that had met his sight
by victim’d bowels brought anon to light.
47
A isto mais se ajunta que um devoto
Sacerdote da lei de Mafamede,
Dos ódios concebidos não remoto
Contra a divina Fé, que tudo excede,
Em forma do Profeta falso e noto,
Que do filho da escrava Agar procede,
Baco odioso em sonhos lhe aparece,
Que de seus ódios ainda se não desse.
These signs confirming, to a Priest devout, 47
a man of mark in Mafamede’s creed,
from preconceived hatred not remote
‘gainst Holy Faith, that doth all faiths exceed,
in the False Prophet’s form of evil note,
who drew his being from slave Hagar’s seed,
Bacchus the hateful in a dream appears,
whose hate is doubled by redoubled fears.
48
E diz-lhe assim: “Guardai-vos, gente minha,
Do mal que se aparelha pelo inimigo
Que pelas águas úmidas caminha,
Antes que esteis mais perto do perigo.”
Isto dizendo, acorda o Mouro asinha,
Espantado do sonho; mas consigo
Cuida que não é mais que sonho usado:
Torna a dormir quieto e sossegado.
“Guard ye, my children, guard ye,” — thus he spoke, 48
“from snares and perils laid by deadly foes
who o’er the tumid waters hither flock,
before the danger more immediate grows.”
The Moorman, startled by these words, awoke
in visionary fear: But soon arose
the thought that vulgar dream his brain opprest,
and thus returned he tranquil to his rest.
49
Torna Baco, dizendo: “Não conheces
O grã legislador que a teus passados
Tem mostrado o preceito a que obedeces,
Sem o qual fôreis muitos batizados?
Eu por ti, rudo, velo; e tu adormeces!
Pois saberás que aqueles, que chegados
De novo são, serão muito grande dano
Da lei que eu dei ao néscio povo humano.
When Bacchus thus returneth:—” Know’est thou not 49
the mighty Maker, who the Law devised
for thy forefathers, he whose will ye wot
and lacking whom had many been baptized?
I wake for thee, for me dost sleep, thou sot?
Then by the Future soon shalt be advised
how these new-comers come with bane and ban
to break the laws I taught to seely man.
50
“Enquanto é fraca a força desta gente,
Ordena como em tudo se resista,
Porque, quando o Sol sai, facilmente
Se pode nele pôr a aguda vista;
Porém, depois que sobe claro e ardente,
Se agudeza dos olhos o conquista,
Tão cega fica, quanto ficareis,
Se raízes criar lhe não tolheis.”
“Until this feeble folk full force hath won, 50
contrive resistance in all manner o’ ways;
for, easy ’tis upon the rising Sun
firm eyne to fix sans fear of blinding rays:
But, when to zenith hath his race been run
the strongest eye-sight that would dare to gaze
remaineth dazed, and so shall ye remain
unless ye let them ere the root be tane.”
51
Isto dito, ele e o sono se despede.
Tremendo fica o atónito Agareno:
Salta da cama, lume ao servos pede,
Lavrando nele o fervido veneno.
Tanto que a nova luz que ao Sol precede
Mostrara rosto angélico e sereno,
Convoca os principais da torpe seita,
Aos quais do que sonhou dá conta estreita.
Then with the Dreamer’s sleep away he speedeth: 51
Trembling remains th’ astonisht Hagarene;
springing from couch his slaves bring light he biddeth,
the fervid venom fest’ering in his spleen.
As the pale dawn-light, which the sun precedeth,
display’d her angel-cheek and brow serene,
convoked the Doctors of the turpid sect,
he of his vision renders ‘count direct.
52
Diversos pareceres e contrários
Ali se dão, segundo o que entendiam;
Astutas traições, enganos vários,
Perfídias inventavam e teciam.
Mas, deixando conselhos temerários,
Destruição da gente pretendiam,
Por manhas mais subtis e ardis melhores,
Com peitas adquirindo os regedores;
Divers opinions couched contrary 52
are told and heard as each best understood:
Astute waylayings, argute treachery,
were workt and woven in their vengeful mood:
But shirking treason which may danger dree,
they sought the spilling of the Strangers’ blood
with plots and projects of the subtlest school,
by bribes the Rulers of the Land to rule.
53
Com peitas, ouro, e dádivas secretas
Conciliam da terra os principais,
E com razões notáveis e discretas
Mostram ser perdição dos naturais,
Dizendo que são gentes inquietas,
Que, os mares discorrendo ocidentais,
Vivem só de piráticas rapinas,
Sem Rei, sem leis humanas ou divinas
With golden bribe, rich fee, and secret gift, 53
they strive the country-principals to please;
showing with proofs discreet of not’able drift,
how shall perdition all the people seize;
“These be,” they say, “a folk of scanty thrift,
rovers who run from occidental seas,
pyratick rapine is their sole design,
sans Roy, sans Loy, or human or divin
e.”
54
Ó quanto deve o Rei que bem governa,
De olhar que os conselheiros, ou privados,
De consciência e de virtude interna
E de sincero amor sejam dotados!
Porque, como este posto na suprema
Cadeira, pode mal dos apartados
Negócios ter notícia mais inteira,
Do que lhe der a língua conselheira.
Ah! how behooves the King, who rules aright, 54
to choose his councillors or his friends beloved,
by rule of conscience, Virtue’s inner light,
whose sprites sincere affection long have proved!
The man exalted to that dizzy height,
the kingly throne, of things from note removed
can gain no notice sure, no knowledge clear,
save what th’ adviser’s tongue will teach his ear.
55
Nem tão pouco direi que tome tanto
Em grosso a consciência limpa e certa,
Que se enleve num pobre e humilde manto,
Onde ambição acaso ande encoberta.
E quando um bom em tudo é justo e santo,
Em negócios do mundo pouco acerta,
Que mal com eles poderá ter conta
A quieta inocência, em só Deus pronta.
Much less I counsel Kings to rest secure 55
in the clear conscience of the men who show
of humble pauper cloak the form of lure;
Ambition haply lurketh rags below:
And men in all things pious, just, and pure,
often of worldly knowledge little know;
for ill shall trustful Innocence take part
in mundane matters, when God holds the heart.
56
Mas aqueles avaros Catuais,
Que o Gentílico povo governavam,
Induzidos das gentes infernais,
O Português despacho dilatavam.
Mas o Gama, que não pretende mais,
De tudo quanto os Mouros ordenavam,
Que levar a seu Rei um sinal certo
Do mundo, que deixava descoberto.
But each and ev’ery Cat’ual gross in greed, 56
the puissant rulers of the Gentile herd,
gained by the glozings of the hellish breed,
unto the Portingalls dispatch defer’d.
Whereon the Gama, — whose one only heed
despite the mischief by the Moormen stir’d,
was at the kingly feet sure sign to lay
of the discover’d World left far away: —
57
Nisto trabalha só; que bem sabia
Que depois que levasse esta certeza,
Armas, o naus, e gente mandaria
Manuel, que exercita a suma alteza,
Com que a seu jugo e lei someteria
Das terras e do mar a redondeza;
Que ele não era mais que um diligente
Descobridor das terras do Oriente.
Worketh for this alone, as well he knew 57
that, when sure tidings and clear proofs appear,