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Luis de Camoes Collected Poetical Works

Page 81

by Luis de Camoes

“Olha da grande Pérsia o império nobre,

  Sempre posto no campo e nos cavalos,

  Que se injuria de usar fundido cobre

  E de não ter das armas sempre os calos.

  Mas vê a ilha Gerum, como descobre

  O que fazem do tempo os intervalos,

  Que da cidade Armuza, que ali esteve,

  Ela o nome despois e a glória teve.

  “Great Persia’s noble Empire here behold, 103

  ever on Destr’ier or in Camp of War,

  whose sons disdain the copper-tube to mould,

  and hands not horny with the Cymitar.

  But see you Gerum Isle the tale unfold

  of mighty things which Time can make or mar;

  for of Armuza-town you shore upon

  the name and glory this her rival won.

  104

  “Aqui de Dom Filipe de Meneses

  Se mostrará a virtude, em armas clara,

  Quando, com muito poucos Portugueses,

  Os muitos Párseos vencerá de Lara.

  Virão provar os golpes e reveses

  De Dom Pedro de Sousa, que provara

  Já seu braço em Ampaza, que deixada

  Terá por terra, à força só de espada.

  “Here Dom Philippe de Menezes view 104

  approved a doughty valiant man-at-arms,

  who with his Portughueze exceeding few

  shall quell the Lara Parsi’s potent swarms:

  Pedro de Sousa too shall make them rue

  reversed Fortunes, Warfare’s deadliest harms,

  who had his prowess in Ampaza shown,

  and took the land by sweep of sword alone.

  105

  “Mas deixemos o Estreito e o conhecido

  Cabo de Jasque, dito já Carpela,

  Com todo o seu terreno mal querido

  Da Natura e dos dões usados dela;

  Carmânia teve já por apelido.

  Mas vês o fermoso Indo, que daquela

  Altura nace, junto à qual, também

  Doutra altura correndo o Gange vem?

  “But now the Narrows and their noted head 105

  Cape Jask, Carpella called by those of yore,

  quit we, the dry terrene scant favoured

  by Nature niggard of her normal store:

  Whilere Carmania ’twas intituled:

  But view fair Indus-flood whose waters pour

  adown his natal heights, and in the range

  of neighbour-mountains see the source of Gange.

  106

  “Olha a terra de Ulcinde, fertilíssima,

  E de Jáquete a íntima enseada;

  Do mar a enchente súbita, grandíssima,

  E a vazante, que foge apressurada.

  A terra de Cambaia vê, riquíssima,

  Onde do mar o seio faz entrada;

  Cidades outras mil, que vou passando,

  A vós outros aqui se estão guardando.

  “Behold Ulcinde’s most luxuriant land 106

  and of Jaqueta-shore you intime bay;

  the monster Bore which roaring floods the strand,

  and ebb which flieth with like force away.

  See where Cambaya’s rich feracious band

  boundeth re-entering seas, the Gulf Cambay;

  and thousand Cities which I leave untold,

  here hoard their wealth for you to have and hold.

  107

  “Vês corre a costa célebre Indiana

  Pera o Sul, até o Cabo Comori,

  Já chamado Cori, que Taprobana

  (Que ora é Ceilão) defronte tem de si.

  Por este mar a gente Lusitana,

  Que com armas virá despois de ti,

  Terá vitórias, terras e cidades,

  Nas quais hão-de viver muitas idades.

  “See, runs the cel’ebrate seaboard Hindostanian 107

  southward till reached its point, Cape Comori,

  erst ‘Cori’ called, where th’ Island Taprobanian

  (’tis now Ceylon) encrowns the fronting sea:

  Besides these waves thy people Lusitanian,

  who with their doughty arms will follow thee,

  by conquering wars shall lands and towns debel,

  wherein your sons and sons of sons shall dwell.

  108

  “As províncias que entre um e o outro rio

  Vês, com várias nações, são infinitas:

  Um reino Mahometa, outro Gentio,

  A quem tem o Demónio leis escritas.

  Olha que de Narsinga o senhorio

  Tem as relíquias santas e benditas

  Do corpo de Tomé, barão sagrado,

  Que a Jesu Cristo teve a mão no lado.

  “The regions lying ‘twixt these Rivers twain, 108

  thou see’st, with various tribes are infinite:

  Here rule the Moslems; there the Gentoos reign

  whose Holy Writ the Devil did indite:

  See where Narsinga’s seigniories contain

  the saintly relicks blessing human sprite,

  Thomés remains, the Miss’ioner sanctified

  who thrust his finger in Lord Jesu’s side.

  109

  “Aqui a cidade foi que se chamava

  Meliapor, fermosa, grande e rica;

  Os Ídolos antigos adorava

  Como inda agora faz a gente inica.

  Longe do mar naquele tempo estava,

  Quando a Fé, que no mundo se pubrica,

  Tomé vinha prègando, e já passara

  Províncias mil do mundo, que ensinara.

  “Here rose the potent City, Meliapor 109

  named, in olden time rich, vast and grand:

  Her sons their olden idols did adore

  as still adoreth that iniquious band:

  In those past ages stood she far from shore,

  when to declare glad tidings o’er the land

  Thomé came preaching, after he had trod

  a thousand regions taught to know his God.

  110

  “Chegado aqui, pregando e junto dando

  A doentes saúde, a mortos vida,

  Acaso traz um dia o mar, vagando,

  Um lenho de grandeza desmedida.

  Deseja o Rei, que andava edificando,

  Fazer dele madeira; e não duvida

  Poder tirá-lo a terra, com possantes

  Forças d’ homens, de engenhos, de alifantes.

  “Here came he preaching, and the while he gave 110

  health to the sick, revival to the dead;

  when Chance one day brought floating o’er the wave

  a forest-tree of size unmeasured:

  The King a Palace building lief would save

  the waif for timber, and determined

  the mighty bulk of trunk ashore to train

  by force of engines, elephants and men.

  111

  “Era tão grande o peso do madeiro

  Que, só pera abalar-se, nada abasta;

  Mas o núncio de Cristo verdadeiro

  Menos trabalho em tal negócio gasta:

  Ata o cordão que traz, por derradeiro,

  No tronco, e fàcilmente o leva e arrasta

  Pera onde faça um sumptuoso templo

  Que ficasse aos futuros por exemplo.

  “Now was that lumber of such vasty size, 111

  no jot it moves, however hard they bear;

  when lo! th’ Apostle of CHRIST’S verities

  wastes in the business less of toil and care:

  His trailing waist-cord to the tree he ties,

  raises and sans an effort hales it where

  a sumptuous Temple he would rear sublime,

  a fixt example for all future time.

  112

  “Sabia bem que se com fé formada

  Mandar a um monte surdo que se mova,

  Que obedecerá logo à voz sagrada,

  Que assi lho ensinou Cristo, e ele o prova.

  A gente ficou disto alvoraçada;
/>   Os Brâmenes o têm por cousa nova;

  Vendo os milagres, vendo a santidade,

  Hão medo de perder autoridade.

  “Right well he knew how ’tis of Faith aver’d 112

  ‘Faith moveth mountains’ will or nill they move,

  lending a listening ear to Holy Word:

  As CHRIST had taught him, so ’twas his to prove:

  By such a mir’acle much the mob was stir’d;

  the Brahmins held it something from above;

  for, seen his signs and seen his saintly life,

  they fear the loss of old prerogative.

  113

  “São estes sacerdotes dos Gentios

  Em quem mais penetrado tinha enveja;

  Buscam maneiras mil, buscam desvios,

  Com que Tomé não se ouça, ou morto seja.

  O principal, que ao peito traz os fios,

  Um caso horrendo faz, que o mundo veja

  Que inimiga não há, tão dura e fera,

  Como a virtude falsa, da sincera.

  “These be the Sacerdotes of Gentoo-creed, 113

  that of sore jealousy felt most the pain;

  they seek ill-ways a thousand and take rede

  Thomé to silence or to gar him slain:

  The Principal who dons the three-twine thread,

  by a deed of horror makes the lesson plain,

  there be no Hatred fell, and fere, and curst,

  as by false Virtue for true Virtue nurst.

  114

  “Um filho próprio mata, e logo acusa

  De homicídio Tomé, que era inocente;

  Dá falsas testemunhas, como se usa;

  Condenaram-no a morte brevemente.

  O Santo, que não vê milhor escusa

  Que apelar pera o Padre omnipotente,

  Quer, diante do Rei e dos senhores,

  Que se faça um milagre dos maiores.

  “One of his sons he slaughters, and accuses 114

  Thome of murther, who was innocent:

  Bringing false witnesses, as there the use is,

  him to the death they doom incontinent.

  The Saint, assured that his best excuses

  are his appeals to God Omnipotent,

  prepares to work before the King and Court

  a publick marvel of the major sort.

  115

  “O corpo morto manda ser trazido,

  Que res[s]ucite e seja perguntado

  Quem foi seu matador, e será crido

  Por testemunho, o seu, mais aprovado.

  Viram todos o moço vivo, erguido,

  Em nome de Jesu crucificado:

  Dá graças a Tomé, que lhe deu vida,

  E descobre seu pai ser homicida.

  “He bids be brought the body of the slain 115

  that it may live again, and be affied

  to name its slayer, and its word be tane

  as proof of testimony certified.

  All saw the youth revive, arise again

  in name of Jesu CHRIST the Crucified:

  Thome he thanks when raised to life anew

  and names his father as the man who slew.

  116

  “Este milagre fez tamanho espanto

  Que o Rei se banha logo na água santa,

  E muitos após ele; um beija o manto,

  Outro louvor do Deus de Tomé canta.

  Os Brâmenes se encheram de ódio tanto,

  Com seu veneno os morde enveja tanta,

  Que, persuadindo a isso o povo rudo,

  Determinam matá-lo, em fim de tudo.

  “So much of marvel did this Mir’acle claim, 116

  straightway in Holy Water bathes the King

  followed by many: These kiss Thome’s hem

  while those the praises of his Godhead sing.

  Such ire the Brahmans and such furies ‘flame,

  Envy so pricks them with her venom’d sting,

  that rousing ruffian-rout to wrath condign

  a second slaughter-plot the priests design.

  117

  “Um dia que pregando ao povo estava,

  Fingiram entre a gente um arruído.

  (Já Cristo neste tempo lhe ordenava

  Que, padecendo, fosse ao Céu subido);

  A multidão das pedras que voava

  No Santo dá, já a tudo oferecido;

  Um dos maus, por fartar-se mais depressa,

  Com crua lança o peito lhe atravessa.

  “One day when preaching to the folk he stood 117

  they feigned a quarrel ‘mid the mob to ‘rise:

  Already CHRIST his Holy man endow’d

  with saintly martyrdom that opes the skies.

  Rainéd innumerable stones the crowd

  upon the victim, sacred sacrifice,

  and last a villain, hast’ier than the rest,

  pierced with a cruel spear his godly breast.

  118

  “Choraram-te, Tomé, o Gange e o Indo;

  Chorou-te toda a terra que pisaste;

  Mais te choram as almas que vestindo

  Se iam da santa Fé que lhe ensinaste.

  Mas os Anjos do Céu, cantando e rindo,

  Te recebem na glória que ganhaste.

  Pedimos-te que a Deus ajuda peças

  Com que os teus Lusitanos favoreças.

  “Wept Gange and Indus, true Thome! thy fate, 118

  wept thee whatever lands thy foot had trod;

  yet weep thee more the souls in blissful state

  thou led’st to don the robes of Holy Rood.

  But Angels waiting at the Par’adise-gate

  meet thee with smiling faces, hymning God.

  We pray thee, pray that still vouchsafe thy Lord

  unto thy Lusians His good aid afford.

  119

  “E vós outros que os nomes usurpais

  De mandados de Deus, como Tomé,

  Dizei: se sois mandados, como estais

  Sem irdes a pregar a santa Fé?

  Olhai que, se sois Sal e vos danais

  Na pátria, onde profeta ninguém é,

  Com que se salgarão em nossos dias

  (Infiéis deixo) tantas heresias?

  “And you, ye others, who usurp the name 119

  of God’s Apostles, miss’ioners like Thomé,

  say, an ye boast of apostolick claim

  why fare not Holy Faith to preach and pray?

  If ye be salt see how yourselves ye shame,

  cleaving to home, where none the Prophet play;

  how shall be salted in dark days as these

  (Pagans I leave) such hosts of heresies?

  120

  “Mas passo esta matéria perigosa

  E tornemos à costa debuxada.

  Já com esta cidade tão famosa

  Se faz curva a Gangética enseada;

  Corre Narsinga, rica e poderosa;

  Corre Orixa, de roupas abastada;

  No fundo da enseada, o ilustre rio

  Ganges vem ao salgado senhorio;

  “But now this perilous theme I pass beyond; 120

  gain we again the limned shore and site.

  Here with the City whereof Fame is fond,

  bends the long bow-line of Gangetick Bight:

  Runneth Narsinga rich and potent lond,

  runneth Orissa vaunting tissues bright,

  and at the bottom of the Bay’s long line,

  illustrious Ganges seeks his home, the brine:

  121

  “Ganges, no qual os seus habitadores

  Morrem banhados, tendo por certeza

  Que, inda que sejam grandes pecadores,

  Esta água santa os lava e dá pureza.

  Vê Catigão, cidade das milhores

  De Bengala província, que se preza

  De abundante. Mas olha que está posta

  Pera o Austro, daqui virada, a costa.

  “Ganges whose acc’olents bathe, and bathing die, 121

  and die in lively faith withal
secure

  whatever sins upon their spirits lie,

  the Holy Waters lave them sinless-pure.

  See Cathigam, amid the highest high

  in Bengal-province, proud of varied store

  abundant, but behold how placed the Post

  where sweeps the shore-line t’wards the southing coast.

  122

  “Olha o reino Arracão; olha o assento

  De Pegu, que já monstros povoaram,

  Monstros filhos do feio ajuntamento

  Düa mulher e um cão, que sós se acharam.

  Aqui soante arame no instrumento

  Da geração costumam, o que usaram

  Por manha da Rainha que, inventando

  Tal uso, deitou fora o error nefando.

  “Arracan-realm behold, behold the seat 122

  of Pegu peopled by a monster-brood;

  monsters that ‘gendered meeting most unmeet

  of whelp and woman in the lonely wood.

  Here bells of sounding orichalc they fit

  upon their bodies, by the craftihood

  of subtle Queen, who such new custom plan’d

  to ‘bate adult’erous Sin and Crime nefand.

  123

  “Olha Tavai cidade, onde começa

  De Sião largo o império tão comprido;

  Tenassari, Quedá, que é só cabeça

  Das que pimenta ali têm produzido.

  Mais avante fareis que se conheça

  Malaca por empório ennobrecido,

  Onde toda a província do mar grande

  Suas mercadorias ricas mande.

  “Behold Tavai City, whence begin 123

  Siam’s dominions, Reign of vast extent;

  Tenassari, Queda of towns the Queen

  that bear the burthen of the hot piment.

  There farther forwards shall ye make, I ween,

  Malaca’s market grand and opulent,

  whither each Province of the long seaboard

  shall send of merchantry rich varied hoard.

  124

  “Dizem que desta terra co as possantes

  Ondas o mar, entrando, dividiu

  A nobre ilha Samatra, que já d’antes

  Juntas ambas a gente antiga viu.

  Quersoneso foi dita; e das prestantes

  Veias d’ouro que a terra produziu,

  ‘Aurea’, por epitéto lhe ajuntaram;

  Alguns que fosse Ofir imaginaram.

  “From this Peninsula, they say, the sea 124

  parted with puissant waves, and entering tore

  Samatra’s noble island, wont to be

  joined to the Main as seen by men of yore.

  ’Twas called Chersonese, and such degree

  it gained by earth that yielded golden ore,

  they gave a golden ep’ithet to the ground:

  Some be who fancy Ophir here was found.

  125

  “Mas, na ponta da terra, Cingapura

  Verás, onde o caminho às naus se estreita;

  Daqui tornando a costa à Cinosura,

  Se encurva e pera a Aurora se endireita.

 

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