Multitudinous Heart
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since the worth of man
is a human measure?
How does man die?
How does he begin to?
Is his death a self-
consuming hunger?
Does he die with each step?
Does he die when he sleeps?
Does he die when he dies?
Does the death of man
resemble the gum
he chews, the punch
he sips, the sleep
he plays at, unsure
if he’s near or far?
Dying, does man dream?
Why does man die?
Does he seek a form
of existing without life?
Does he divine a different,
unrepeating life
in some crazy horizon?
Does he seek another man?
Why, if death and man
walk hand in hand,
are the hours of man
so comical?
But what is man?
Does he, fearing death,
kill himself without fear?
Or is fear what kills him
with a silver dagger,
the slipknot of his tie,
a leap off the bridge?
Why does man live?
What forces him, an innocent
prisoner, to keep going?
How does man live,
if he really lives?
What does his brow hide?
Why doesn’t he tell,
at least in an undertone,
the whole of his secret self?
Why does man lie?
desperately lie
and lie and lie?
Why doesn’t he hush,
if falseness speaks
in all he feels?
Why does man cry?
What tears can ease
the pain of being man?
And what pain is man?
How can a man
discover he’s hurting?
Does man have a soul?
And who put something
in his soul that destroys it?
How does man know
what the soul is, his own
or another’s?
What is man good for?
For fertilizing flowers,
for spinning stories?
For serving man?
For creating God?
Does God know about man?
And does the devil know?
What makes man think
he’s a destiny, or origin?
What miracle is man?
What dream, what shadow?
But does man exist?
LIÇÃO DE COISAS / LESSON OF THINGS (1962)
DESTRUIÇÃO
Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se veem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.
Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.
Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.
E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.
DESTRUCTION
Lovers love each other cruelly
and love too much to see each other.
They kiss, in the other, their own reflection.
What are two lovers? Two enemies.
Lovers are children spoiled rotten
by love’s delights: they don’t realize
how they crumble with each embrace,
and how what was world turns into nothing.
Nothing, nobody. Love’s a pure phantom
that lightly passes over them,
like a snake imprinting its path on memory.
And they both remain forever bitten.
They’ve ceased to exist, but what existed
continues to ache eternally.
CERMICA
Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.
Sem uso,
ela nos espia do aparador.
PORCELAIN
The shards of life, glued together, form a strange teacup.
Unused,
it quietly observes us from the sideboard.
SCIENCE FICTION
O marciano encontrou-me na rua
e teve medo de minha impossibilidade humana.
Como pode existir, pensou consigo, um ser
que no existir põe tamanha anulação de existência?
Afastou-se o marciano, e persegui-o.
Precisava dele como de um testemunho.
Mas, recusando o colóquio, desintegrou-se
no ar constelado de problemas.
E fiquei só em mim, de mim ausente.
SCIENCE FICTION
A Martian ran into me on the street
and recoiled at my human impossibility.
How, he wondered, can there be a being
who so negates existence in the act of existing?
The Martian walked off, and I followed.
I needed him as a kind of proof.
But he refused to talk, vanishing
into the problem-studded atmosphere.
And I was left by myself, absent from myself.
A FALTA QUE AMA / THE LOVING ABSENCE (1968)
O DEUS MAL INFORMADO
No caminho onde pisou um deus
há tanto tempo que o tempo não lembra
resta o sonho dos pés
sem peso
sem desenho.
Quem passe ali, na fração de segundo,
em deus se erige, insciente, deus faminto,
saudoso de existência.
Vai seguindo em demanda de seu rastro,
é um tremor radioso, uma opulência
de impossíveis, casulos do possível.
Mas a estrada se parte, se milparte,
a seta não aponta
destino algum, e o traço ausente
ao homem torna homem, novamente.
THE MISINFORMED GOD
On the road where a god walked
so long ago time has forgotten it
the dream of the god’s feet lingers
weightless
traceless.
Whoever goes that way becomes,
in a twinkling, a god unawares, a hungry
god, wistful for existence.
He keeps on, searching for his ancient
trail, a glowing tremor, a wealth
of impossibilities, cocoons of the possible.
But the road divides into a thousand roads,
the arrow points
nowhere, and the vanished trace
turns man once more into man.
A VOZ
Uma canção cantava-se a si mesma
na rua sem foliões. Vinha no rádio?
Seu carnaval abstrato, flor de vento,
era provocação e nostalgia.
Tudo que já brincou brincava, trêmulo,
no vazio da tarde. E outros brinquedos,
futuros, se brincavam, lecionando
uma lição de festa sem motivo,
à terra imotivada. E o longo esforço,
pesquisa de sinal, busca entre sombras,
marinhagem na rota do divino,
cede lugar ao que, na voz errante,
procura introduzir em nossa vida
certa canção cantada por si mesma.
THE VOICE
A song was singing to itself
on a street without revelers. The radio?
Its abstract, wind-borne carnival
stirred excitement and nostalgia.
All that ever danced was dancing
in the empty afternoon. And other,
future dances danced, teaching
/>
the unmotivated earth that feasting
needs no motive. And the long struggle,
the search for signs, the quest among shadows,
the doubtful voyage toward the divine,
all yields to what, in a roving voice,
a certain song that sings itself
seeks to bring into our life.
COMUNHÃO
Todos os meus mortos estavam de pé, em círculo,
eu no centro.
Nenhum tinha rosto. Eram reconhecíveis
pela expressão corporal e pelo que diziam
no silêncio de suas roupas além da moda
e de tecidos; roupas não anunciadas
nem vendidas.
Nenhum tinha rosto. O que diziam
escusava resposta,
ficava parado, suspenso no salão, objeto
denso, tranquilo.
Notei um lugar vazio na roda.
Lentamente fui ocupá-lo.
Surgiram todos os rostos, iluminados.
COMMUNION
All my dead were standing in a circle,
with me in the middle.
None had a face. I recognized them
by their body language and by what they said
in the silence of their clothes beyond fashion
and fabrics — clothes neither advertised
nor sold.
None had a face. What they said
needed no answer,
hovering in the room as a peaceful,
dense object.
I noticed an empty spot in the circle.
I slowly went and filled it.
All the faces lit up, visible.
AS IMPUREZAS DO BRANCO / IMPURITIES OF WHITE (1973)
DECLARAÇÃO EM JUÍZO
Peço desculpa de ser
o sobrevivente.
Não por longo tempo, é claro.
Tranquilizem-se.
Mas devo confessar, reconhecer
que sou sobrevivente.
Se é triste/cômico
ficar sentado na plateia
quando o espetáculo acabou
e fecha-se o teatro,
mais triste/grotesco é permanecer no palco,
ator único, sem papel,
quando o público já virou as costas
e somente baratas
circulam no farelo.
Reparem: não tenho culpa.
Não fiz nada para ser
sobrevivente.
Não roguei aos altos poderes
que me conservassem tanto tempo.
Não matei nenhum dos companheiros.
Se não saí violentamente,
se me deixei ficar ficar ficar,
foi sem segunda intenção.
Largaram-me aqui, eis tudo,
e lá se foram todos, um a um,
sem prevenir, sem me acenar,
sem dizer adeus, todos se foram.
(Houve os que requintaram no silêncio.)
Não me queixo. Nem os censuro.
Decerto não houve propósito
de me deixar entregue a mim mesmo,
perplexo,
desentranhado.
Não cuidaram de que um sobraria.
Foi isso. Tornei, tornaram-me
sobre-vivente.
Se se admiram de eu estar vivo,
esclareço: estou sobrevivo.
Viver, propriamente, não vivi
senão em projeto. Adiamento.
Calendário do ano próximo.
Jamais percebi estar vivendo
quando em volta viviam quantos! quanto.
Alguma vez os invejei. Outras, sentia
pena de tanta vida que se exauria no viver,
enquanto o não viver, o sobreviver
duravam, perdurando.
E me punha a um canto, à espera,
contraditória e simplesmente,
de chegar a hora de também
viver.
Não chegou. Digo que não. Tudo foram ensaios,
testes, ilustrações. A verdadeira vida
sorria longe, indecifrável.
Desisti. Recolhi-me
cada vez mais, concha, à concha. Agora
sou sobrevivente.
Sobrevivente incomoda
mais que fantasma. Sei: a mim mesmo
incomodo-me. O reflexo é uma prova feroz.
Por mais que me esconda, projeto-me,
devolvo-me, provoco-me.
Não adianta ameaçar-me. Volto sempre,
todas as manhãs me volto, viravolto
com exatidão de carteiro que distribui más notícias.
O dia todo é dia
de verificar o meu fenômeno.
Estou onde não estão
minhas raízes, meu caminho:
onde sobrei,
insistente, reiterado, aflitivo
sobrevivente
da vida que ainda
não vivi, juro por Deus e o Diabo, não vivi.
Tudo confessado, que pena
me será aplicada, ou perdão?
Desconfio nada pode ser feito
a meu favor ou contra.
Nem há técnica
de fazer, desfazer
o infeito infazível.
Se sou sobrevivente, sou sobrevivente.
Cumpre reconhecer-me esta qualidade
que finalmente o é. Sou o único, entendem?
de um grupo muito antigo
de que não há memória nas calçadas
e nos vídeos.
Único a permanecer, a dormir,
a jantar, a urinar,
a tropeçar, até mesmo a sorrir
em rápidas ocasiões, mas garanto que sorrio,
como neste momento estou sorrindo
de ser — delícia? — sobrevivente.
É esperar apenas, está bem?
que passe o tempo de sobrevivência
e tudo se resolva sem escândalo
ante a justiça indiferente.
Acabo de notar, e sem surpresa:
não me ouvem no sentido de entender,
nem importa que um sobrevivente
venha contar seu caso, defender-se
ou acusar-se, é tudo a mesma
nenhuma coisa, e branca.
DECLARATION IN COURT
I beg pardon for being
the survivor.
Not for long, of course.
Set your minds at rest.
But I have to acknowledge, to confess,
I’m a survivor.
If it’s sad and comical
to keep sitting in the auditorium
after the show has ended
and the theater is closing,
it’s sadder, and grotesque, to be the sole actor
left onstage, without a role,
after the audience has all gone home
and only cockroaches
circulate in the sawdust.
Please note: it’s not my fault.
I didn’t do anything to be
a survivor.
I didn’t beseech the powers on high
to keep me going this long.
I didn’t kill any companions.
If I didn’t make a noisy exit,
if I just stayed on and on and on,
I had no ulterior motive.
They left me here, that’s all.
One by one they went away,
without warning, without waving at me,
without saying farewell, they disappeared.
(Some were veritable masters of silence.)
I’m not complaining. Nor do I reproach them.
It surely wasn’t their intention
to leave me all on my own,
at a loss,
defenseless.
They didn’t realize that one man would remain.
That’s how I turned into — or they turned me into—
a remainder, a leftover.
If it amazes you that I’m still living,
let me clarify: I’m j
ust outliving.
I never really lived except
in plans and projects. Postponements.
Next year’s calendar.
I never saw the point of living
when so many around me lived so much!
Sometimes I envied them. Sometimes I felt sorry
to see so much life used up by living
when not-living, outliving,
is what endured.
And I stood in a corner,
simply and inconsistently
waiting for my turn
to live.
It never came. Cross my heart. There were rehearsals,
trial runs, illustrations, that’s all. Real life
smiled from afar, inscrutable.
I gave up. I withdrew
more and more, like a shellfish into its shell. Now
I’m a survivor.
A survivor is more disconcerting
than a ghost. I know: I disconcert myself.
One’s own reflection is a ruthless accuser.
However much I hide from the world, I project
my own person, who looks back and taunts me.
It’s useless to threaten him. He always returns,
every morning I return, I come back to me
with the regularity of a postman bringing bad news.
Every single day
confirms the strange phenomenon that’s me.
My roots and my path
are not where I am,
where I’ve ended up,
a persistent, redundant, nagging
survivor
of the life I still haven’t
lived, I swear to God and the Devil, I never lived.
Now that I’ve confessed, what will be
my punishment, or my pardon?
My hunch is nothing can be done
for or against me.
How to do or undo
the undoable not-done?
If I’m a survivor, I’m a survivor.
You have to allow me at least
this quality. I’m the only one, you see,
of a very old group
unremembered on the streets
and in video films.
Only I still linger, sleep,
dine, urinate,
stumble, and even smile
at odd moments, I assure you I smile,
like now, for instance, when I’m smiling
for being (with relish?) a survivor.
I’m just waiting — all right?—
for this time of surviving to end
and for everything to conclude without scandal
in the eyes of indifferent justice.
I’ve just noticed, without surprise,
that you hear but don’t care if you understand me,
nor does it matter that a survivor
has come to present his case, to defend