O Grande Gatsby (Penguin)

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O Grande Gatsby (Penguin) Page 8

by F. Scott Fitzgerald


  — Boa noite — gritou a srta. Baker das escadas. — Não ouvi nada do que você disse.

  — É uma boa garota — disse Tom, após um instante. — Não deviam tê-la deixado correr o país desse jeito.

  — Quem não devia? — perguntou Daisy com frieza.

  — A família dela.

  — A família dela é uma tia de uns cem anos de idade. Além disso, Nick vai cuidar dela, não é? Jordan vai passar vários fins de semana conosco neste verão. Acho que a atmosfera doméstica lhe fará bem.

  Por um momento, Daisy e Tom se entreolharam em silêncio.

  — Ela é de Nova York? — perguntei sem demora.

  — De Louisville. Foi onde passamos a infância. Nossa bela e inocente infân…

  — Quer dizer que você teve uma conversa franca com Nick lá no alpendre? — indagou Tom de repente.

  — Tive? — Ela olhou para mim. — Não lembro bem, mas acho que conversamos sobre a raça nórdica. É isso, tenho certeza. O tema surgiu na conversa e de repente estávamos…

  — Não acredite em tudo o que ouve, Nick — ele me aconselhou.

  Respondi despreocupadamente que não havia escutado nada, e minutos depois me levantei para ir embora. Eles me acompanharam até a porta e ficaram de pé, lado a lado, num vívido quadrado de luz. Quando dei partida no motor, Daisy gritou, categórica: “Espere!”.

  — Esquecemos de lhe perguntar uma coisa, e é importante. Ouvimos dizer que você ficou noivo de uma garota lá no Oeste.

  — É, foi o que ouvimos — corroborou Tom gentilmente. — Ouvimos dizer que você ficou noivo.

  — É mentira. Sou pobre demais.

  — Mas nós ouvimos! — insistiu Daisy, surpreendendo-me mais uma vez com sua espontaneidade. — Ouvimos de três pessoas, então só pode ser verdade.

  É claro que eu sabia a que eles se referiam, mas a verdade é que não fiquei nem de longe noivo. Uma das razões pelas quais me mudei para o Leste foi justamente o fato de haverem convertido um boato em proclamas de casamento. É absurdo ter que abrir mão de uma amizade feminina só por causa de rumores, e por outro lado eu não tinha a menor intenção de ceder a eles e me casar.

  O interesse de Tom e Daisy me enterneceu e fez com que ambos me parecessem menos remotamente ricos — ainda assim, eu estava confuso e um tanto indignado ao partir. Na minha opinião, Daisy devia fugir daquela casa com a filha nos braços — mas, pelo visto, ela não tinha a menor intenção de fazê-lo. Quanto a Tom, o fato de ele ter “arrumado uma namorada em Nova York” era menos surpreendente do que ele ter se deixado abalar por um livro. Por algum motivo, Tom andava flertando com ideias rançosas, como se a vaidade física já não alimentasse seu coração despótico.

  Já era verão no telhado das estalagens e nas oficinas de beira de estrada, onde novas e vermelhas bombas de gasolina se erguiam sob poças de luz, e, quando cheguei à minha casa em West Egg, parei o carro debaixo do galpão e passei um tempo sentado num cortador de rolo esquecido na grama. O vento havia arrefecido, deixando para trás uma noite clara e vistosa, com asas de pássaros batendo nas árvores e um persistente som de órgão tocando enquanto o fole da terra inflava vida nos sapos. A silhueta de um gato em movimento cortou o luar e, ao virar-me para vê-lo, percebi que não estava sozinho — a uns quinze metros dali, uma figura emergiu da sombra da mansão vizinha e ficou de pé com as mãos nos bolsos, observando a poeira prateada das estrelas. Algo em seus movimentos calculados e na postura firme de seus pés sobre a grama me revelou que era o sr. Gatsby em pessoa, tentando determinar que porção do nosso céu local lhe pertencia.

  Decidi chamá-lo. A srta. Baker havia falado a seu respeito no jantar, e isso bastaria como introdução. Mas não o fiz, pois de súbito me pareceu que estava feliz sozinho — estendeu os braços em direção à água de um jeito curioso e, mesmo à distância, eu podia jurar que estava tremendo. Sem perceber, olhei na direção do mar — e não vi nada além de uma luz verde solitária, minúscula e longínqua, que decerto marcava a extremidade de um cais. Quando procurei Gatsby de novo, ele já havia desaparecido e eu estava de novo sozinho na escuridão turbulenta.

  a Midas: rei da mitologia grega que transformava em ouro tudo o que tocava; John Pierpoint Morgan (1837-1913): um dos maiores financistas americanos do século xix; Caio Cílnio Mecenas: rico patrocinador das artes na Roma Antiga.

  b Long Island é uma ilha ao leste de Manhattan, que se estende por 190 quilômetros do porto de Nova York até Montauk Point. Popularmente, o termo designa apenas os condados de Nassau e Suffolk, já que Queens e Brooklyn são considerados pertencentes à cidade de Nova York. Já o estreito de Long Island (no original, Long Island Sound) é um estuário do Atlântico onde desembocam inúmeros rios. A península de West Egg, onde moram Gatsby e Nick, fica diretamente oposta à de East Egg, onde mora Daisy, ambas separadas pela baía de Manhasset. Os nomes verdadeiros desses locais são respectivamente King’s Point (na península de Great Neck) e Sand’s Point (Cow Neck), ambos no condado de Nassau.

  c Lake Forest é um bairro chique do subúrbio de Chicago. Lá morou Ginevra King, o primeiro amor de Fitzgerald e a principal inspiração para Daisy Buchanan. O romance durou dois anos, mas, provavelmente devido às diferenças sociais, ela acabou se casando com o herdeiro de uma família rica da região. Ginevra pertencia a um grupo de debutantes da cena social de Chicago conhecido como “The Big Four”, que compreendia as quatro jovens mais atraentes e desejáveis da cidade — entre suas companheiras estava a golfista Edith Cummings, inspiração para a personagem de Jordan Baker.

  d Cunard e White Star Line eram navios transatlânticos da época.

  2

  A meio caminho entre West Egg e Nova York, a rodovia encontra abruptamente a estrada de ferro e corre a seu lado por uns quatrocentos metros, como se tentasse desviar de uma certa área desolada. É um vale de cinzas — um sítio surreal onde as cinzas crescem como trigo em sulcos, colinas e jardins grotescos; onde as cinzas tomam a forma de casas, chaminés e fumaça e, por fim, num esforço transcendental, assumem a forma de homens cinzentos que se movem debilmente e se desmancham no ar poeirento. Vez por outra, uma fileira de carros sujos vinha rastejando pela pista invisível, soltava um rangido horripilante e freava, e logo pululavam inúmeros homens cinzentos com suas pás de chumbo, suscitando uma nuvem impenetrável que ocultava seus obscuros afazeres de nossa visão.

  Contudo, para além da terra cinzenta e dos espasmos de poeira árida pairando eternamente sobre ela, é possível notar, após um momento, os olhos do dr. T. J. Eckleburg.a Os olhos do dr. T. J. Eckleburg são enormes e azuis — suas retinas têm um metro de altura. Não olham a partir de um rosto, mas, ao contrário, de um par de gigantescos óculos amarelos sustentados por um nariz invisível. Era óbvio que algum oculista fanfarrão os colocara ali para engordar as contas de seu consultório no Queens, e então mergulhou ele mesmo numa cegueira vitalícia, ou esqueceu os óculos e se mudou. Mas esses olhos, embotados por incontáveis dias de sol e chuva, ponderavam sabiamente sobre aquele solene terreno de desmanche.

  O vale das cinzas1 é ladeado por um riacho sujo com uma ponte levadiça que, ao ser erguida para a passagem dos barcos, obriga os passageiros dos trens parados a encarar aquela paisagem deplorável em interrupções de até meia hora. Há sempre uma parada mínima de um minuto no local, e foi por causa disso que vi pela primeira vez a amante de Tom Buchanan.

  O fato de ele ter uma amante era apregoado por toda parte. Os amigos censuravam seu hábito de levá-la aos cafés e, largando-a na mesa, perambular pelo salão para conversar com quem lhe aprouvesse. Embora eu estivesse curioso para vê-la, não tinha nenhuma vontade de conhecê-la — mas a conheci. Numa tarde de domingo, estava indo de trem a Nova York na companhia de Tom e, quando paramos junto ao vale das cinzas, ele deu um salto, pegou-me pelo cotovelo e literalmente me empurrou para fora do vagão.

  — Vamos descer — ele insistiu. — Quero que você conheça a minha namorada.

  Notei que ele bebera demais no almoço e que sua determinação em me levar beirava a violência. Ele su
punha, de forma presunçosa, que eu não tinha nada melhor para fazer num domingo à tarde.

  Segui Tom por baixo da cerca caiada que demarcava a ferrovia e voltamos uns cem metros pela estrada, sob o olhar persistente do dr. Eckleburg. As únicas construções à vista eram um bloco de prédios de tijolos amarelos à beira da terra devastada, com ares de rua principal compacta, contíguos a absolutamente nada. Um dos três estabelecimentos do bloco estava disponível para aluguel e o outro era uma lanchonete vinte e quatro horas, vizinha de uma trilha de cinzas; o terceiro era uma oficina mecânica — Consertos. george b. wilson. Compra e venda de automóveis — onde acabamos entrando.

  O interior da oficina era miserável e deserto; o único carro visível era a carcaça poeirenta de um Ford encolhida num canto escuro. Ocorreu-me então que aquela sombra de oficina só podia ser uma fachada e que havia quartos românticos e suntuosos escondidos no andar de cima — até que o proprietário em pessoa surgiu à porta do escritório, limpando as mãos em um trapo. Era um homem loiro, desanimado, anêmico e de alguma beleza. Quando nos viu, um tênue lampejo de esperança surgiu em seus olhos claros.

  — Olá, velho Wilson — disse Tom, dando-lhe um tapinha jovial. — Como vão os negócios?

  — Não tenho do que reclamar — respondeu Wilson, sem a menor convicção. — Quando é que você vai me vender aquele carro?

  — Na semana que vem; já mandei meu empregado mexer nele.

  — O homem trabalha devagar, não?

  — De modo algum — disse Tom, indiferente. — E se você acha isso, talvez seja melhor vender para outra pessoa.

  — Não foi isso o que eu quis dizer — explicou Wilson prontamente. — Eu só quis…

  Sua voz foi sumindo e Tom perscrutou a oficina com impaciência. Então ouvi um barulho de passos descendo a escada, e de súbito uma corpulenta figura feminina bloqueou a luz que vinha do interior do escritório. Tinha uns trinta anos e era ligeiramente robusta, mas sabia conduzir-se de um jeito sensual que é exclusivo de certas mulheres. Usava um vestido estampado azul-marinho de crepe e seu rosto não carregava nenhum indício de beleza, mas havia nela uma vitalidade logo perceptível, como se os nervos de seu corpo estivessem ardendo o tempo todo. Ela sorriu devagar e, ignorando o marido como se fosse um fantasma, cumprimentou Tom e o encarou direto nos olhos. Então molhou os lábios e, sem desviar os olhos, pediu a Wilson com a voz calma e áspera:

  — Que acha de ir pegar umas cadeiras? Alguém pode querer sentar.

  — Ah, claro — concordou Wilson de pronto, indo até o minúsculo escritório, onde se misturou imediatamente à cor de cimento das paredes. Uma poeira esbranquiçada cobria seu paletó escuro, os cabelos pálidos e tudo o mais que havia nas redondezas — exceto sua esposa, que se aproximou de Tom.

  — Quero te ver — disse Tom, sério. — Pegue o próximo trem.

  — Certo.

  — A gente se encontra na banca de jornais do térreo.

  Ela assentiu com a cabeça e afastou-se na hora exata em que George Wilson saía do escritório com duas cadeiras.

  Ficamos aguardando na estrada, longe da vista de todos. Faltavam poucos dias para o Quatro de Julho e um moleque italiano, magro e tristonho, enfileirava rojões ao longo da ferrovia.

  — Lugarzinho terrível, não? — disse Tom, trocando um olhar carrancudo com o dr. Eckleburg.

  — Péssimo.

  — É bom pra ela sair um pouco.

  — E o marido não se opõe?

  — Wilson? Ele acha que ela está indo visitar a irmã em Nova York. É tão burro que não sabe se está vivo.

  Foi assim que Tom Buchanan, sua amante e eu fomos juntos a Nova York — ou não exatamente juntos, pois a sra. Wilson sentou-se com discrição em outro vagão. Tom concedia tal gentileza à sensibilidade dos moradores de East Egg que porventura estivessem a bordo.

  Ela havia trocado o vestido por um outro estampado de musselina marrom que aderia totalmente aos seus quadris largos enquanto Tom a ajudava a descer, já em Nova York. Na banca de jornais, ela comprou uma edição da Town Tattle2 e uma revista de cinema, e na lojinha da estação apanhou um creme para pele e um frasco pequeno de perfume. Lá em cima, no reverberante e solene ponto de táxi, ela deixou quatro carros passarem até escolher um deles, de cor alfazema e estofamento cinza, dentro do qual saímos da estação lotada e seguimos em direção ao sol forte. Mas logo ela se virou de costas para a janela e, debruçando-se, bateu no vidro da frente.

  — Ei, quero comprar um cachorrinho — afirmou, muito séria. — Preciso ter um desses no apartamento. É legal ter um cachorro.

  Fomos de marcha a ré até um velho grisalho absurdamente parecido com John D. Rockefeller, que trazia no pescoço uma cesta com uma dúzia de filhotes recém-nascidos de raça indeterminada, todos encolhidos.

  — São de que raça? — perguntou a sra. Wilson com avidez, conforme ele se aproximava da janela do táxi.

  — Tem de tudo. De que raça você quer, dona?

  — Eu queria um desses cães policiais; acho que você não tem desse tipo, né?

  Relutante, o homem deu uma olhada na cesta, enfiou a mão lá dentro e apanhou pelo pescoço um dos filhotes, que se retorcia.

  — Isso não é nenhum cão policial — disse Tom.

  — Não, não é bem um cão policial — admitiu o homem, com um tom decepcionado na voz. — É mais um Airedale Terrier. — Ele afagou as costas do animal, que pareciam um carpete marrom. — Olha só esse pelo. Que coisa incrível. Taí um cachorro que nunca vai incomodá-la pegando uma gripe.

  — Achei uma graça — disse a sra. Wilson, empolgada. — Quanto custa?

  — Este cachorro? — Ele examinou o animal. — Este cachorro custa dez dólares.

  O Airedale Terrier — sem dúvida havia um quê de Airedale em algum lugar, embora suas patas estivessem começando a embranquecer — mudou de mãos e aninhou-se no colo da sra. Wilson, onde recebeu extasiados afagos em seu pelo impermeável.

  — É macho ou fêmea? — ela perguntou com delicadeza.

  — Esse cachorro? É macho.

  — É uma cadela — afirmou Tom, decidido. — Aqui está o seu dinheiro. Vá e compre mais uns dez cachorros com ele.

  Avançamos em direção à Quinta Avenida, que naquela tarde de domingo estava quente e agradável, quase pastoral. Tanto que eu não ficaria surpreso se visse um bom rebanho de ovelhas brancas virando a esquina.

  — Espere — eu disse. — Vou deixá-los por aqui.

  — Não vai, não — exigiu Tom prontamente. — Myrtle vai ficar ofendida se você não subir ao apartamento conosco. Não é, Myrtle?

  — Vamos lá — ela insistiu. — Vou ligar para a minha irmã Catherine. Ela é considerada muito bonita por gente que entende do assunto.

  — Bem, eu gostaria, mas…

  Então seguimos em frente, cortando caminho pelo parque em direção às West Hundreds. Na rua 158, o táxi parou diante de um vasto conjunto de prédios de apartamentos. Lançando às redondezas um magnífico olhar de familiaridade, a sra. Wilson pegou seu cachorro e os outros pertences, e entrou altivamente no prédio.

  — Vou chamar os McKee — ela anunciou, conforme subíamos pelo elevador. — E, claro, também tenho que ligar para a minha irmã.

  O apartamento ficava na cobertura do edifício — uma pequena sala de estar, uma pequena sala de jantar, um pequeno quarto e um banheiro. A sala estava abarrotada até o teto de um mobiliário coberto de tapeçaria, evidentemente exagerado para o espaço, de modo que a circulação no recinto implicava tropeçar o tempo todo em cenas de moças flanando pelos jardins de Versalhes. A única fotografia era uma ampliação do que parecia ser uma galinha sentada sobre uma pedra indistinta. De longe, porém, a galinha se transformava em chapéu, e logo se distinguia o semblante de uma velha robusta sorrindo por toda a extensão da sala. Inúmeras edições de Town Tattle se empilhavam na mesa junto a um exemplar de Simon called Peter3 e algumas revistinhas de fofocas da Broadway. Antes de mais nada, a sra. Wilson resolveu cuidar do cachorro. Um relutante ascensorista concordou em ir buscar uma cai
xa forrada de palha e um pouco de leite, ao qual acrescentou, por iniciativa própria, uma lata de biscoitos caninos enormes e duros — um dos quais passou a tarde inteira se desfazendo preguiçosamente no pires de leite. Enquanto isso, Tom apanhava uma garrafa de uísque de uma escrivaninha trancada à chave.

  Fiquei bêbado só duas vezes na vida, e a segunda foi naquela tarde; de modo que tudo o que houve em seguida ficou envolto em uma sombra turva e nebulosa, embora o sol brilhasse no apartamento até depois das oito da noite. Sentada no colo de Tom, a sra. Wilson telefonou para muita gente; então os cigarros acabaram e eu saí para comprar mais na loja da esquina. Quando voltei, ambos haviam desaparecido, então me sentei discretamente na sala de estar e li um capítulo de Simon called Peter — ou era um troço muito ruim ou o uísque é que distorceu as coisas, pois o livro não fez nenhum sentido para mim.

  Assim que Tom e Myrtle retornaram (depois do primeiro drinque, eu e a sra. Wilson passamos a nos chamar pelo primeiro nome), os convidados começaram a chegar.

  A irmã dela, Catherine, era uma moça magra e cosmopolita de uns trinta anos, com os cabelos curtos muito ruivos e lambidos, e o rosto coberto por um opaco pó facial. Suas sobrancelhas haviam sido arrancadas e redesenhadas num ângulo mais ousado, mas os esforços da natureza em prol da restauração do desenho original já se faziam vagamente presentes em seu rosto. Quando ela se mexia, ouvia-se o matraquear incessante dos incontáveis braceletes de cerâmica que subiam e desciam ao longo dos seus braços. Ela chegou com uma afobação petulante e encarou os móveis de forma tão possessiva que tive a impressão de que ela morava ali. Mas quando lhe fiz essa pergunta, ela soltou uma risada escandalosa, repetiu minha dúvida em voz alta e me contou que vivia com uma amiga num hotel.

  O sr. McKee era um homem pálido e afeminado que morava no andar de baixo. Acabara de fazer a barba, pois havia uma mancha branca de espuma nas maçãs do seu rosto, e foi bastante respeitoso ao cumprimentar os presentes. Contou-me que trabalhava no “setor artístico”, e mais tarde descobri que era fotógrafo e que era dele a obscura ampliação da mãe da sra. Wilson que pairava na parede feito um ectoplasma. Sua esposa era estridente, lânguida, opulenta e horrenda. Ela me contou, orgulhosa, que fora fotografada pelo marido cento e vinte e sete vezes desde que se casaram.

 

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