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Luis de Camoes Collected Poetical Works

Page 39

by Luis de Camoes


  yet that his Flagship forged ahead no more,

  the Marvel hailing thus he ‘gan implore: —

  30

  “Ó caso grande, estranho e não cuidado,

  Ó milagre claríssimo e evidente,

  Ó descoberto engano inopinado,

  Ó pérfida, inimiga e falsa gente!

  Quem poderá do mal aparelhado

  Livrar-se sem perigo sabiamente,

  Se lá de cima a Guarda soberana

  Não acudir à fraca força humana?

  “Oh Chance, strange, passing strange, that gave no sign! 30

  Oh wondrous Godsend shown so clear, so plain!

  Oh fellest treason baffled inopine!

  Oh hostile Paynims, false, perfidious strain!

  Who of such desp’erate devilish design

  by mortal wisdom could escape the bane,

  unless there throned in Heav’en the Sovran Guard

  to weak humanity strong aid award?

  31

  “Bem nos mostra a divina Providência

  Destes portos a pouca segurança;

  Bem claro temos visto na aparência,

  Que era enganada a nossa confiança.

  Mas pois saber humano nem prudência

  Enganos tão fingidos não alcança,

  Ó tu, Guarda Divina, tem cuidado

  De quem sem ti não pode ser guardado!

  “Right well hath proved Providence on high, 31

  the scanty safety by these Ports purvey’d:

  Right well appearance showeth every eye,

  how all our confidence hath been betray’d:

  But since Man’s wit and wisdom vainly try

  to sound these feints and foils so deeply laid,

  O Thou, Almighty Guard! to guard him deign

  who sans Thine aid himself would guard in vain!

  32

  “E se te move tanto a piedade

  Desta mísera gente peregrina,

  Que só por tua altíssima bondade,

  Da gente a salvas pérfida e malina,

  Nalgum porto seguro de verdade

  Conduzir-nos já agora determina,

  Ou nos amostra a terra que buscamos,

  Pois só por teu serviço navegamos.”

  “And if Thy holy ruth so condescend 32

  to save this People peregrine and poor,

  who on Thy grace and goodness sole depend,

  to force salvation from the false fell Moor;

  vouchsafe, O Lord, our weary course shall end

  at some fair Harbour, shelter’d and secure;

  or show the distant shores we pine to see,

  since all this sailing is for serving Thee.”

  33

  Ouviu-lhe essas palavras piedosas

  A formosa Dione, e comovida,

  Dentre as Ninfas se vai, que saudosas

  Ficaram desta súbita partida.

  Já penetra as Estrelas luminosas,

  Já na terceira Esfera recebida

  Avante passa, e lá no sexto Céu,

  Para onde estava o Padre, se moveu.

  The piteous prayer smote the loving ears 33

  of Dionaea fair; her heart was painéd;

  she left her Nymphs, all bathed in yearning tears,

  who by her sudden flight perplext remained:

  Now she had thrid the lum’inous planet-spheres,

  now the third Heaven’s gateway she had gained;

  on, onward still to the sixth sphere, the throne

  where high All-Father sits and reigns alone.

  34

  E como ia afrontada do caminho,

  Tão formosa no gesto se mostrava,

  Que as Estrelas e o Céu e o Ar vizinho,

  E tudo quanto a via namorava.

  Dos olhos, onde faz seu filho o ninho,

  Uns espíritos vivos inspirava,

  Com que os Pólos gelados acendia,

  E tornava do Fogo a esfera fria.

  And, as her way affronting, forth she hied, 34

  her ev’ry gesture such a grace expired,

  Stars, Skies and AEther’s circumambient tide,

  and all that saw her with love-fire were fired.

  Those eyne wherein Dan Cupid aye doth nide,

  such vital spirits in all life inspired;

  the frigid Poles with torrid ardours burned,

  and spheres of Arctic frost to flame were turned.

  35

  E por mais namorar o soberano

  Padre, de quem foi sempre amada e eriça,

  Se lhe apresenta assim como ao Troiano,

  Na selva Idea, já se apresentara.

  Se a vira o caçador, que o vulto humano

  Perdeu, vendo Diana na água clara,

  Nunca os famintos galgos o mataram,

  Que primeiro desejos o acabaram.

  And with more love to move her Sovereign 35

  Sire, who aye lov’d her with a constant will,

  herself she shows as to the Trojan swain

  she showed of old on Ida’s bosky hill.

  If her the Hunter who the form of man

  lost, seeing Dian in the glassy rill,

  had seen, he ne’er had died by rav’ening hound,

  erst slain by a sorer and a surer wound.

  36

  Os crespos fios d’ouro se esparziam

  Pelo colo, que a neve escurecia;

  Andando, as lácteas tetas lhe tremiam,

  Com quem Amor brincava, e não se via;

  Da alva petrina flamas lhe saíam,

  Onde o Menino as almas acendia;

  Pelas lisas colunas lhe trepavam

  Desejos, que como hera se enrolavam.

  Wander’d the crispy threads of wavy gold 36

  adown a bosom shaming virgin snow:

  Her milk-hued breasts with ev’ry movement roll’d

  where Love lay sporting but did nowhere show:

  Flames with far-flashing fire the Zone’s white fold

  wherewith the Boy gar’d ev’ry heart to glow:

  while round those columns’ polisht curves were climbing

  Desires, like ivy parent-trunk entwining.

  37

  C’um delgado sendal as partes cobre,

  De quem vergonha é natural reparo,

  Porém nem tudo esconde, nem descobre,

  O véu, dos roxos lírios pouco avaro;

  Mas, para que o desejo acenda o dobre,

  Lhe põe diante aquele objeto raro.

  Já se sentem no Céu, por toda a parte,

  Ciúmes em Vulcano, amor em Marte.

  A filmy Cendal winds around her waist, 37

  which del’icate sense conceals by modest veiling;

  and yet not all conceal’d, nor all confest,

  the veil, red-blushing lilies oft revealing:

  With warmer fondness still to ‘flame his breast

  she woos his sight with secret charms assailing:

  Now all Olympus shakes with jealous jars,

  rage burneth Vulcan, Love inflameth Mars.

  38

  E mostrando no angélico semblante

  Co’o riso uma tristeza misturada,

  Como dama que foi do incauto amante

  Em brincos amorosos mal tratada,

  Que se aqueixa e se ri num mesmo instante,

  E se torna entre alegre magoada,

  Desta arte a Deusa, a quem nenhuma iguala,

  Mais mimosa que triste ao Padre fala:

  The while her angel-semblance showeth blended 38

  with smiles a sadness in the sweetest way;

  like some fair Ladye by rude swain offended

  incautious rough while playing am’orous play;

  who laughs and laughing pouts with wrath pretended

  passing withouten pause from grave to gay;

  thus she, the Goddess who no rival heedeth,

  softer than sad before her Father pleadeth.

  39

  “Sempre eu cuidei, ó Padre poderoso,
<
br />   Que, para as cousas que eu do peito amasse,

  Te achasse brando, afábil e amoroso,

  Posto que a algum contrário lhe pesasse;

  Mas, pois que contra mim te vejo iroso,

  Sem que to merecesse, nem te errasse,

  Faça-se como Baco determina;

  Assentarei enfim que fui mofina.

  “Aye had I deemed, mighty Father mine, 39

  in whatsoe’er my loving breast preferred,

  to find thee kind and affable and benign,

  e’en though of hostile heart the hate were stirred:

  But as I see thine ire to me incline,

  ire undeserv’ed, — to thee I ne’er have erred, —

  let Bacchus triumph with his wicked will;

  while in his weal I sit and wail mine ill.

  40

  “Este povo que é meu, por quem derramo

  As lágrimas que em vão caídas vejo,

  Que assaz de mal lhe quero, pois que o amo,

  Sendo tu tanto contra meu desejo!

  Por ele a ti rogando choro e bramo,

  E contra minha dita enfim pelejo.

  Ora pois, porque o amo é mal tratado,

  Quero-lhe querer mal, será guardado.

  “This Folk, these Sons of me, for whom I pour 40

  the tear that trickleth bootless ‘fore thy sight,

  whose woe, since wish’d them well, I work the more

  when my good wishes but thy wrath excite:

  For them I weep, for them thine aid implore,

  and thus, in fine, with adverse fate I fight:

  But now, because my love ill-fortune bears,

  I will to will them ill and weal be theirs.

  41

  “Mas moura enfim nas mãos das brutas gentes,

  Que pois eu fui...” E nisto, de mimosa,

  O rosto banha em lágrimas ardentes,

  Como co’o orvalho fica a fresca rosa.

  Calada um pouco, como se entre os dentes

  Se lhe impedira a fala piedosa,

  Torna a segui-la; e indo por diante,

  Lhe atalha o poderoso e grão Tonante.

  “Yet thus to perish by that wild-beast race, 41

  for I have been” Whereon, all lovely flows

  the burning tear-drop beading down her face,

  as pearled with rory dew fresh shines the Rose:

  Silent awhile, as though her plea for grace

  the portals of her teeth list not disclose

  she had pursued; but ere a word she said

  the potent Thund’erer further plaint forbade:

  42

  E destas brandas mostras comovido,

  Que moveram de um tigre o peito duro,

  Co’o vulto alegre, qual do Céu subido,

  Torna sereno e claro o ar escuro,

  As lágrimas lhe alimpa, e acendido

  Na face a beija, e abraça o colo puro;

  De modo que dali, se só se achara,

  Outro novo Cupido se gerara.

  And, moved to pity by such gentle powers, 42

  powers made to move the heart of Tyger dure,

  with beaming smile, as when the sky that lowers

  waxeth serene, and clears the lift obscure;

  he dries his Daughter’s welling tears, and showers

  warm kisses on her cheeks and neck snow-pure;

  in mode that had the place been lere and lone

  a pair of Cupids had Olympus known.

  43

  E co’o seu apertando o rosto amado,

  Que os soluços e lágrimas aumenta,

  Como menino da ama castigado,

  Que quem no afaga o choro lhe acrescente,

  Por lhe pôr em sossego o peito irado,

  Muitos casos futuros lhe apresenta.

  Dos fados as entranhas revolvendo,

  Desta maneira enfim lhe está dizendo:

  And, face approaching to the face he prized, 43

  whereat the sobbing tears the faster flow;

  e’en as some yeanling by the nurse chastised

  weepeth caresst with louder feint of woe:

  To soothe her troubled bosom he devised

  the future fortunes of her sons to show,

  unripping thus from Fate’s impregnate womb

  He opes the mysteries of the things to come: —

  44

  “Formosa filha minha, não temais

  Perigo algum nos vossos Lusitanos,

  Nem que ninguém comigo possa mais,

  Que esses chorosos olhos soberanos;

  Que eu vos prometo, filha, que vejais

  Esquecerem-se Gregos e Romanos,

  Pelos ilustres feitos que esta gente

  Há-de fazer nas partes do Oriente.

  “Thou fairest Daughter mine! throw far thy fear. 44

  lest to thy Lusians happen harm indign;

  nor deem my spirit holdeth aught so dear,

  as the sad waters of these sov’reign eyne:

  Thou shalt behold, my Daughter, hear me swear,

  the Greek and Roman dimm’d of all his shine,

  by Gestes illustrious this thy Hero-race

  Shall dare and do in Eastern dwelling-place.

  45

  “Que se o facundo Ulisses escapou

  De ser na Ogígia ilha eterno escravo,

  E se Antenor os seios penetrou

  Ilíricos e a fonte de Timavo;

  E se o piedoso Eneias navegou

  De Cila e de Caríbdis o mar bravo,

  Os vossos, mores cousas atentando,

  Novos mundos ao mundo irão mostrando.

  “If glib Ulysses e’er to flee was fated 45

  a life-long slav’ery on Ogygia-shore;

  and if Antenor’s fortune penetrated

  Ulyric bays, Timavus’ fount t’ explore;

  e’en if thy pious AEneas navigated

  where seas round Scylla and Charybdis roar;

  thy nobler scions higher grade shall win,

  shall add new worlds to worlds of older men.

  46

  “Fortalezas, cidades e altos muros,

  Por eles vereis, filha, edificados;

  Os Turcos belacíssimos e duros,

  Deles sempre vereis desbaratados.

  Os Reis da índia, livres e seguros,

  Vereis ao Rei potente sojugados;

  E por eles, de tudo enfim senhores,

  Serão dadas na terra leis melhores.

  “Valvartes and cities and the tow’ering wall 46

  built by their valour, Daughter, thou shalt see:

  Shalt see the Turk, deem’ed bravest brave of all,

  from their dread prowess forced aye to flee:

  Shalt see of Inde the free-born monarchs fall

  and own their mightier King’s supremacy:

  And when, in fine, they wield the full command

  shall dawn a Higher Law for every land.

  47

  “Vereis este, que agora pressuroso

  Por tantos medos o Indo vai buscando,

  Tremer dele Neptuno, de medroso

  Sem vento suas águas encrespando.

  Ó caso nunca visto e milagroso,

  Que trema e ferva o mar, em calma estando!

  Ó gente forte e de altos pensamentos,

  Que também dela hão medo os Elementos!

  “Him shalt thou see, who now in hurried flight 47

  fares distant Indus through such fears to find,

  make vasty Neptune tremble with affright,

  and crisp his wavy waste sans breath of wind.

  Oh Chance ne’er seen! Oh wonder-teeming Sight!

  this Quake of Water with plat calm combin’d!

  Oh valiant race, with loftiest thought inbred,

  whom Earth’s four El’ements must regard with dread!

  48

  “Vereis a terra, que a água lhe tolhia,

  Que inda há-de ser um porto mui decente,

  Em que vão descansar da longa via

&n
bsp; As naus que navegarem do Ocidente.

  Toda esta costa enfim, que agora urdia

  O mortífero engano, obediente

  Lhe pagará tributos, conhecendo

  Não poder resistir ao Luso horrendo.

  “This Land, that water hath to them denied, 48

  shalt see affording surest Hythe, where spent

  by their long voyaging, shall rest and ride

  Argosies bound from utmost Occident.

  In fine, this seaboard all, that futile tried

  death-snare to weave, shall pay obedient

  toll, tythe, and tribute, knowing vain it were

  to beard the Lusian Lyon in his lair.

  49

  “E vereis o mar Roxo, tão famoso,

  Tornar-se-lhe amarelo, de enfiado;

  Vereis de Ormuz o Reino poderoso

  Duas vezes tomado e sojugado.

  Ali vereis o Mouro furioso

  De suas mesmas setas traspassado:

  Que quem vai contra os vossos, claro veja

  Que, se resiste, contra si peleja.

  “Shalt see King Erythras’ far-famed Main 49

  permute his nat’ural red to Fear’s pale dye:

  eke shalt thou see the haughty Hormuz-reign

  twice taken, prostrate in their presence lie:

  There shalt thou see the furious Moorman slain

  pierced by his own deflected archery;

  till all ken clearly who thy Sons oppose

  by their own deed become their deadliest foes.

  50

  “Vereis a inexpugnábil Dio forte,

  Que dous cercos terá, dos vossos sendo.

  Ali se mostrará seu preço e sorte,

  Feitos de armas grandíssimos fazendo.

  Invejoso vereis o grão Mavorte

  Do peito Lusitano fero e horrendo:

  Do Mouro ali verão que a voz extrema

  Do falso Mahamede ao Céu blasfema.

  “Shalt see of Diu th’ inexpugnable wall, 50

  two sieges braving, while thy sons defend;

  there shall their val’orous worth be shown to all

  with feats of arms that every feat transcend:

  Envy shalt see in Mars majestical

  of Lusian fierceness none shall dare offend:

  There shall they sight the Moor with voice supreme

  before high Heaven false Mahound blaspheme.

  51

  “Goa vereis aos Mouros ser tomada,

  A qual virá depois a ser senhora

  De todo o Oriente, e sublimada

  Co’os triunfos da gente vencedora.

  Ali soberba, altiva, e exalçada,

  Ao Gentio, que os ídolos adora,

  Duro freio porá, e a toda a terra

  Que cuidar de fazer aos vossos guerra.

  “Thou shalt see Goa from the Moslem tane, 51

  and in near future raised to queenly place,

  Ladye of Orient land sublimely vain

  of triumphs wrested by thy conqu’ering Race.

  There, with superb, high, haughtiest disdain

 

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