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Luis de Camoes Collected Poetical Works

Page 42

by Luis de Camoes


  Com um redondo emparo alto de seda,

  Numa alta e dourada hástia enxerido,

  Um ministro à solar quentura veda.

  Que não ofenda e queime o Rei subido.

  Música traz na proa, estranha e leda,

  De áspero som, horríssono ao ouvido,

  De trombetas arcadas em redondo,

  Que, sem concerto, fazem rudo estrondo.

  With silken sunshade, high and round of guise 96

  fast to its handle bound, a gilded spear,

  a Minister the solar ray defies

  lest hurt of baleful beam the high King bear:

  High in the poop his strange glad musick hies,

  of asp’erous noise, most horr’ible to the ear,

  of arched trumpets writhed in curious round,

  roaring a rough, rude, unconcerted sound.

  97

  Não menos guarnecido o Lusitano

  Nos seus batéis, da frota se partia

  A receber no mar o Melindano,

  Com lustrosa e lograda companhia.

  Vestido o Gama vem ao modo Hispano,

  Mas Francesa era a roupa que vestia,

  De cetim da Adriática Veneza

  Carmesi, cor que a gente tanto preza:

  Nor with less garnishment our Lusitanian 97

  swift-sailing galleys from the Squadron bore,

  to meet and greet the noble Melindanian,

  begirt by goodly company galore

  The Gama cometh dight in dress Hispanian;

  but of French work the doublet was he wore,

  Satin which Adrian Venice works and stains

  crimson, a colour which such prize obtains.

  98

  De botões douro as mangas vêm tomadas,

  Onde o Sol reluzindo a vista cega;

  As calças soldadescas recamadas

  Do metal, que Fortuna a tantos nega,

  E com pontas do mesmo delicadas

  Os golpes do gibão ajunta e achega;

  Ao Itálico modo a áurea espada;

  Pluma na gorra, um pouco declinada.

  Buttons of gold his looped sleeves confine, 98

  where solar glancings dazzle gazing eyes:

  Hosen of soldier fashion purfled shine

  with the rich metal Fortune oft denies:

  Points of the same the slashes deftly join,

  gored in his doublet, with right del’icate ties:

  Gold-hilted sword in mode of Italy:

  Plume in his bonnet worn a little wry.

  99

  Nos de sua companhia se mostrava

  Da tinta, que dá o múrice excelente,

  A vária cor, que os olhos alegrava,

  E a maneira do trajo diferente.

  Tal o formoso esmalte se notava

  Dos vestidos, olhados juntamente,

  Qual aparece o arco rutilante

  Da bela Ninfa, filha de Taumante.

  I’ the suite and escort of the Captain show’d 99

  of the dye murex, — Tyre’s surpassing tint, —

  the various shades that joy’d men’s eyne, and mode

  of dress devis’d with fashion different:

  Such was th’ enamel, and as bright it glow’d

  with cunning colours in quaint mixture blent,

  as though her rutilant bow had rear’d in air

  the Maid of Thaumas, fairest of the fair.

  100

  Sonorosas trombetas incitavam

  Os ânimos alegres, ressoando;

  Dos Mouros os batéis, o mar coalhavam,

  Os toldos pelas águas arrojando;

  As bombardas horríssonas bramavam,

  Com as nuvens de fumo o Sol tomando;

  Amiúdam-se os brados acendidos,

  Tapam com as mãos os Mouros os ouvidos.

  Sonorous trumpets manly breasts incite 100

  gladding the heart with martial musick gay:

  Churned the Moorish keels blue waters white

  and awnings sprent with dews of pearly spray:

  The horrid-sounding bombards thunder fright

  while smoky hangings veil the splendid day;

  roar the hot volleys hurtling sounds so loud,

  fain close with hands their ears the Moorish crowd.

  101

  Já no batel entrou do Capitão

  O Rei, que nos seus braços o levava;

  Ele coa cortesia, que a razão

  (Por ser Rei) requeria, lhe falava.

  C’umas mostras de espanto e admiração,

  O Mouro o gesto e o modo lhe notava,

  Como quem em mui grande estima tinha

  Gente que de tão longe à índia vinha.

  And now the King our Captain’s galley sought, 101

  who strained in his arms the welcome guest:

  He with the courtesy which Reason taught,

  his host (who was of Royal rank) addrest.

  Noted th’ admiring Moor, with marvel fraught,

  his visitor’s ev’ery mode, and look, and gest,

  as one regarding with a huge esteem

  Folk who so far in quest of India came.

  102

  E com grandes palavras lhe oferece

  Tudo o que de seus Reinos lhe cumprisse,

  E que, se mantimento lhe falece,

  Como se próprio fosse, lho pedisse.

  Diz-lhe mais, que por fama bem conhece

  A gente Lusitana, sem que a visse;

  Que já ouviu dizer, que noutra terra

  Com gente de sua Lei tivesse guerra.

  And to him proffers in his phrase high-flown 102

  whatever goods his realm and haven boast;

  the while commanding him to hold his own

  what store might haply serve his turn the most:

  Eke he assures him Fame had made well-known

  the Lusian name ere Lusians reached his coast:

  for long ’twas rumour’d that in realms afar

  it had with peoples of his law waged war.

  103

  E como por toda África se soa,

  Lhe diz, os grandes feitos que fizeram,

  Quando nela ganharam a coroa

  Do Reino, onde as Hespéridas viveram;

  E com muitas palavras apregoa

  O menos que os de Luso mereceram,

  E o mais que pela fama o Rei sabia.

  Mas desta sorte o Gama respondia:

  How Africk continent’s farthest shores resound, 103

  he told him, with great deeds the warmen did;

  whose long campaigns the Conquerors had crown’d

  lords of the lands where dwelt the Hesperid.

  With long harangue he taught the crowd around

  the least deserts the Lusians merited,

  and yet the most that Fame was fain to teach;

  when thus Da Gama to the King made speech: —

  104

  “Ó tu, que só tiveste piedade,

  Rei benigno, da gente Lusitana,

  Que com tanta miséria e adversidade

  Dos mares experimenta a fúria insana;

  Aquela alta e divina Eternidade,

  Que o Céu revolve e rege a gente humana,

  Pois que de ti tais obras recebemos,

  Te pague o que nós outros não podemos.

  “O thou! who sole hast seen with pit’iful eye, 104

  benignant King! our Lusitanian race,

  which in such mis’ery dire hath dared defy

  Fate, and the furies of mad seas to face;

  may you Divine eternity on high,

  that ruleth man, revolving skyey space,

  since gifts so goodly givest thou, I pray

  the Heav’ens repay thee what we never may.

  105

  “Tu só, de todos quantos queima Apolo,

  Nos recebes em paz, cio mar profundo;

  Em ti dos ventos hórridos de Eolo

  Refúgio achamos bom, fido e jocundo.

  Enquanto apascentar o largo Pól
o

  As Estrelas, e o Sol der lume ao Mundo,

  Onde quer que eu viver, com fama e glória

  Viverão teus louvores em memória.”

  “Of all Apollo bronzed hath thou sole, 105

  peaceful didst greet us from th’ abysmal sea:

  To thee from AEolus’ winds that moan and howl,

  we find good, truthful, glad security.

  Long as its Stars leads forth the vasty Pole,

  long as the Sun shall light the days to be,

  where’er I haply live, with fame and glory

  shall live thy praises in my People’s story.”

  106

  Isto dizendo, os barcos vão remando

  Para a frota, que o Mouro ver deseja;

  Vão as naus uma e uma rodeando,

  Porque de todas tudo note e veja.

  Mas para o céu Vulcano fuzilando,

  A frota coas bombardas o festeja,

  E as trombetas canoras lhe tangiam;

  Co’os anafis os Mouros respondiam.

  He spake, and straight the barges ‘gin to row 106

  whither the Moorman would review the Fleet;

  rounding the vessels, one by one, they go

  that ev’ery not’able thing his glance may meet:

  But Vulcan skywards voll’eying horr’ible lowe

  with dire artill’ery hastes the guest to greet,

  while trumpets loud canorous accents blend;

  with shawms the Moorish hosts their answer send.

  107

  Mas depois de ser tudo já notado

  Do generoso Mouro, que pasmava

  Ouvindo o instrumento inusitado,

  Que tamanho terror em si mostrava,

  Mandava estar quieto e ancorado

  N’água o batel ligeiro que os levava,

  Por falar de vagar co’o forte Gama,

  Nas cousas de que tem notícia e faina.

  When due attention to the sights had lent 107

  the gen’erous Moslem, fill’ed with thrilling wonder,

  and hearing, eke, th’ unwonted instrument

  that told its dreadful might in fiery thunder;

  he bade the light Batel wherein he went

  at anchor quiet ride the Flagship under,

  that with the doughty Gama he might hold

  converse of matters erst by Rumour told.

  108

  Em práticas o Mouro diferentes

  Se deleitava, perguntando agora

  Pelas guerras famosas e excelentes

  Co’o povo havidas, que a Mafoma adora;

  Agora lhe pergunta pelas gentes

  De toda a Hespéria última, onde mora;

  Agora pelos povos seus vizinhos,

  Agora pelos úmidos caminhos.

  The Moor in varied dialogue took delight, 108

  and now he prayed the vis’itor would expound

  each war renowned and famous feat of fight

  fought with the races that adore Mahound:

  Now of the peoples he would gain a sight

  that hold our ultimate Hispanian ground:

  Then of the nations who with us confine;

  then of the mighty voyage o’er the brine.

  109

  “Mas antes, valeroso Capitão,

  Nos conta, lhe dizia, diligente,

  Da terra tua o clima, e região

  Do mundo onde morais distintamente;

  E assim de vossa antiga geração,

  E o princípio do Reino tão potente,

  Co’os sucessos das guerras do começo,

  Que, sem sabê-las, sei que são de preço.

  “But first, O valiant Captain! first relate,” 109

  quoth he, “with all the diligence thou can,

  what lands and climes compose your natal state,

  and where your home, recount with regular plan;

  nor less your ancient lineage long and great

  and how your Kingdom’s lofty rule began,

  with all your early deeds of derring-do;

  e’en now, tho’ know’ng them not, their worth we know.

  110

  “E assim também nos conta dos rodeios

  Longos, em que te traz o mar irado,

  Vendo os costumes bárbaros alheios.

  Que a nossa África ruda tem criado.

  Conta: que agora vêm co’os áureos freios

  Os cavalos que o carro marchetado

  Do novo Sol, da fria Aurora trazem,

  O vento dorme, o mar e as ondas jazem.

  “And, prithee, further say how o’er the Main 110

  long on this voyage through fierce seas you stray’d,

  seeing the barb’arous ways of alien strain,

  which our rude Africk-land to you display’d:

  Begin! for now the team with golden rein

  draws near, and drags the new Sun’s car, inlaid

  with marquetry, from cold Aurora’s skies:

  Sleep wind and water, smooth the wavelet lies.

  111

  “E não menos co’o tempo se parece

  O desejo de ouvir-te o que contares;

  Que quem há, que por fama não conhece

  As obras Portuguesas singulares?

  Não tanto desviado resplandece

  De nós o claro Sol, para julgares

  Que os Melindanos têm tão rudo peito,

  Que não estimem muito um grande feito.

  “And as th’ Occasion such a fitness showeth, 111

  so is our wish your wondrous tale to hear;

  who dwells among us but by rumour knoweth

  the Lusitanian’s labour singular?

  Deem not so far from us removed gloweth

  resplendent Sol, that need thy judgment fear

  to find Melinde nurse so rude a breed,

  which can ne prize ne praise a noble deed.

  112

  “Cometeram soberbos os Gigantes,

  Com guerra vã, o Olimpo claro e puro;

  Tentou Pirítoo e Teseu, de ignorantes,

  O Reino de Plutão horrendo e escuro.

  Se houve feitos no mundo tão possantes,

  Não menos é trabalho ilustre e duro,

  Quanto foi cometer Inferno o Céu,

  Que outrem cometa a fúria de Nereu.

  “Vainly the haughty olden Giants vied 112

  by war to win Olympus clear and pure:

  Pirith and Theseus mad with ign’orance tried

  of Pluto’s realm to burst the dread Obscure;

  If in the world such works hath worked pride,

  not less’t is labour excellent and dure,

  bold as it was to brave both Heav’en and Hell,

  for man o’er raging Nereus to prevail.

  113

  “Queimou o sagrado templo de Diana,

  Do subtil Tesifónio fabricado,

  Heróstrato, por ser da gente humana

  Conhecido no mundo e nomeado:

  Se também com tais obras nos engana

  O desejo de um nome avantajado,

  Mais razão há que queira eterna glória

  Quem faz obras tão dignas de memória.”

  “With fire consumed Dian’s sacred fane, — 113

  that master-piece of subtle Ctesiphon,

  Herostratus, who by such deed would gain

  of world-wide Fame the high immortal boon:

  If greed of foolish praise and glory vain

  to actions so perverse may urge men on,

  more reason’t is to crown with endless fame

  Deeds that deserve, like Gods, a deathless name.”

  CANTO TERCEIRO — CANTO III.

  ARGUMENT OF THE THIRD CANTO.

  THE talk of Vasco da Gama with the King of Melinde, wherein he describeth Europe, and recounteth the origin of the kingdom of Portugal, its kings (including the King Dom Fernando) and its principal achievements: The notable feat of Egas Moniz: The Queen of Castile, Dona Maria, visiteth Portugal to crave aid for the Battle of the Sal
ado: The loves and luckless fate of Dona Ignez de Castro: Some events which befel the King Dom Fernando.

  ANOTHER ARGUMENT.

  A populosa Europa se descreve;

  De Egas Moniz o feito sublimado,

  Lusitania, que Reis, que guerras teve;

  Christo a Afonso se ex poem crucificado:

  De Dona Ignez de Castro a pura neve

  Em purptira converte o povo irado:

  Mostra-se o vil descuido de Fernando,

  E o grao poder de hum gesto suave, e brando.

  1

  Agora tu, Calíope, me ensina

  O que contou ao Rei o ilustre Gama:

  Inspira imortal canto e voz divina

  Neste peito mortal, que tanto te ama.

  Assim o claro inventor da Medicina,

  De quem Orfeu pariste, ó linda Dama,

  Nunca por Dafne, Clície ou Leucotoe,

  Te negue o amor devido, como soe.

  Now, my Calliope! to teach incline 1

  what speech great Gama for the King did frame:

  Inspire immortal song, grant voice divine

  unto this mortal who so loves thy name.

  Thus may the God whose gift was Medicine,

  to whom thou barest Orpheus, lovely Dame!

  never for Daphne, Clytia, Leucothoe

  due love deny thee or inconstant grow he.

  2

  Põe tu, Ninfa, em efeito meu desejo,

  Como merece a gente Lusitana;

  Que veja e saiba o mundo que do Tejo

  O licor de Aganipe corre e mana.

  Deixa as flores de Pindo, que já vejo

  Banhar-me Apolo na água soberana;

  Senão direi que tens algum receio,

  Que se escureça o teu querido Orfeio.

  Satisfy, Nymph! desires that in me teem, 2

  to sing the merits of thy Lusians brave;

  so worlds shall see and say that Tagus-stream

  rolls Aganippe’s liquor. Leave, I crave,

  leave flow’ry Pindus-head; e’en now I deem

  Apollo bathes me in that sovran wave;

  else must I hold it, that thy gentle sprite,

  fears thy dear Orpheus fade through me from sight.

  3

  Prontos estavam todos escutando

  O que o sublime Gama contaria,

  Quando, depois de um pouco estar cuidando,

  Alevantando o rosto, assim dizia:

  “Mandas-me, ó Rei, que conte declarando

  De minha gente a grão genealogia:

  Não me mandas contar estranha história,

  Mas mandas-me louvar dos meus a glória.

  All stood with open ears in long array 3

  to hear what mighty Gama mote unfold;

  when, past in thoughtful mood a brief delay,

  began he thus with brow high-raised and bold: —

  “Thou biddest me, O King! to say my say

  anent our grand genealogy of old:

  Thou bidd’st me not relate an alien story;

  thou bidd’st me laud my brother Lusians’ glory.

 

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