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Luis de Camoes Collected Poetical Works

Page 44

by Luis de Camoes

and with her made him Seigneur Paramount.

  26

  “Este, depois que contra os descendentes

  Da escrava Agar vitórias grandes teve,

  Ganhando muitas terras adjacentes,

  Fazendo o que a seu forte peito deve,

  Em prémio destes feitos excelentes,

  Deu-lhe o supremo Deus, em tempo breve,

  Um filho, que ilustrasse o nome ufano

  Do belicoso Reino Lusitano.

  “This doughty Vassal from that servile horde, 26

  Hagar the handmaid’s seed, great vict’ories won;

  reft the broad lands adjacent with his sword

  and did whatever Brav’ery bade be done:

  Him, for his exploits excellent to reward,

  God gave in shortest space a gallant son,

  whose arm to ‘noble and enfame was fain

  the warlike name of Lusitania’s reign.

  27

  “Já tinha vindo Anrique da conquista

  Da cidade Hierosólima sagrada,

  E do Jordão a areia tinha vista,

  Que viu de Deus a carne em si lavada;

  Que não tendo Gotfredo a quem resista,

  Depois de ter Judeia sojugada,

  Muitos, que nestas guerras o ajudaram,

  Para seus senhorios se tornaram;

  “Once more at home this conqu’ering Henry stood 27

  who sacred Hierosol’yma had relieved,

  his eyes had fed on Jordan’s holy flood,

  which the Dear Body of Lord God had laved;

  when Godfrey left no foe to be subdued,

  and all Judaea conquered was and saved,

  many that in his wars had done devoir

  to their own lordships took the way once more.

  28

  “Quando chegado ao fim de sua idade,

  O forte e famoso Úngaro estremado,

  Forçado da fatal necessidade,

  O espírito deu a quem lhe tinha dado,

  Ficava o filho em tenra mocidade,

  Em quem o pai deixava seu traslado,

  Que do mundo os mais fortes igualava;

  Que de tal pai tal filho se esperava.

  “But when this stout and gallant Hun attained 28

  Life’s fatal period, age and travail-spent,

  he gave, by Death’s necessity constrained,

  his sprite to Him who had that spirit lent:

  A son of tender years alone remained,

  to whom the Sire bequeath’d his ‘bodiment;

  with bravest braves the youth was formed to cope,

  for from such sire such son the world may hope.

  29

  “Mas o velho rumor, não sei se errado,

  Que em tanta antiguidade não há certeza,

  Conta que a mãe, tomando todo o estado,

  Do segundo himeneu não se despreza.

  O filho órfão deixava deserdado,

  Dizendo que nas terras a grandeza

  Do senhorio todo só sua era,

  Porque, para casar, seu pai lhes dera.

  “Yet old Report, I know not what its weight, 29

  (for on such antique tale no man relies),

  saith that the Mother, tane in tow the state,

  a second nuptial bed did not despise:

  Her orphan son to disinherited fate

  she doomed, declaring hers the dignities,

  not his, with seigniory o’er all the land,

  her spousal dowry by her sire’s command.

  30

  “Mas o Príncipe Afonso, que desta arte

  Se chamava, do avô tomando o nome,

  Vendo-se em suas terras não ter parte,

  Que a mãe, com seu marido, as manda e come,

  Fervendo-lhe no peito o duro Marte,

  Imagina consigo como as tome.

  Revolvidas as causas no conceito,

  Ao propósito firme segue o efeito.

  “Now Prince Afonso (who such style had tane 30

  in pious mem’ory of his Grandsire’s name)

  seeing no part and portion in his reign

  all pilled and plunder’d by the Spouse and Dame,

  by dour and doughty Mars inflamed amain,

  privily plots his heritage to claim:

  He weighs the causes in his own conceit

  till firm Resolve its fit effect shall greet.

  31

  “De Guimarães o campo se tingia

  Co’o sangue próprio da intestina guerra,

  Onde a mãe, que tão pouco o parecia,

  A seu filho negava o amor e a terra.

  Com ele posta em campo já se via;

  E não vê a soberba o muito que erra

  Contra Deus, contra o maternal amor;

  Mas nela o sensual era maior.

  “Of Guimara’ens the field already flow’d 31

  with floods of civil warfare’s bloody tide,

  where she, who little of the Mother show’d,

  to her own bowels love and land denied.

  Fronting the child in fight the parent stood;

  nor saw her depth of sin that soul of pride

  against her God, against maternal love:

  Her sensual passion rose all pow’er above.

  32

  “Ó Progne crua! ó mágica Medeia!

  Se em vossos próprios filhos vos vingais

  Da maldade dos pais, da culpa alheia,

  Olhai que inda Teresa peca mais:

  Incontinência má, cobiça feia,

  São as causas deste erro principais:

  Cila, por uma, mata o velho pai,

  Esta, por ambas, contra o filho vai.

  “O magical Medea! O Progne dire! 32

  if your own babes in vengeance dared ye kill

  for alien crimes, and injuries of the sire,

  look ye, Teresa’s deed was darker still.

  Foul greed of gain, incontinent desire,

  were the main causes of such bitter ill:

  Scylla her aged sire for one did slay,

  for both Teresa did her son betray.

  33

  “Mas já o Príncipe claro o vencimento

  Do padrasto e da iníqua mãe levava;

  Já lhe obedece a terra num momento,

  Que primeiro contra ele pelejava.

  Porém, vencido de ira o entendimento,

  A mãe em ferros ásperos atava;

  Mas de Deus foi vingada em tempo breve:

  Tanta veneração aos pais se deve!

  “Right soon that noble Prince clear vict’ory won 33

  from his harsh Mother and her Fere indign;

  in briefest time the land obeyed the son,

  though first to fight him did the folk incline.

  But reft of reason and by rage undone

  he bound the Mother in the biting chain:

  Eftsoons avenged her griefs the hand of God:

  Such veneration is to parents owe’d.

  34

  “Eis se ajunta o soberbo Castelhano,

  Para vingar a injúria de Teresa,

  Contra o tão raro em gente Lusitano,

  A quem nenhum trabalho agrava ou pesa.

  Em batalha cruel o peito humano,

  Ajudado da angélica defesa,

  Não só contra tal fúria se sustenta,

  Mas o inimigo aspérrimo afugenta.

  “Lo! the superb Castilian ‘gins prepare 34

  his pow’er to’venge Teresa’s injuries,

  against the Lusian land in men so rare,

  whereon ne toil ne trouble heavy lies.

  Their breasts the cruel battle grandly dare,

  aid the good cause angelic Potencies;

  unrecking might unequal still they strive,

  nay, more, their dreadful foe to flight they drive.

  35

  “Não passa muito tempo, quando o forte

  Príncipe em Guimarães está cercado

  De infinito poder; que desta sorte

  Foi refaze
r-se o inimigo magoado;

  Mas, com se oferecer à dura morte

  O fiel Egas amo, foi livrado;

  Que de outra arte pudera ser perdido,

  Segundo estava mal apercebido.

  “Passeth no tedious time, before the great 35

  Prince a dure Siege in Guimaraens dree’d

  by passing pow’er, for to ‘mend his state,

  came the fell en’emy, full of grief and greed:

  But when committed life to direful Fate,

  Egas, the faithful guardian, he was free’d,

  who had in any other way been lost,

  all unprepared ‘gainst such ‘whelming host.

  36

  “lulas o leal vassalo, conhecendo

  Que seu senhor não tinha resistência,

  Se vai ao Castelhano, prometendo

  Que ele faria dar-lhe obediência.

  Levanta o inimigo o cerco horrendo,

  Fiado na promessa e consciência

  De Egas Moniz; mas não consente o peito

  Do moço ilustre a outrem ser sujeito.

  “But when the loyal Vassal well hath known 36

  how weak his Monarch’s arm to front such fight,

  sans order wending to the Spanish fone,

  his Sovran’s homage he doth pledge and plight.

  Straight from the horrid siege th’ invader flown

  trusteth the word and honour of the Knight,

  Egas Moniz: But now the noble breast

  of the brave Youth disdaineth strange behest.

  37

  “Chegado tinha o prazo prometido,

  Em que o Rei Castelhano já aguardava

  Que o Príncipe, a seu mando sometido,

  Lhe desse a obediência que esperava.

  Vendo Egas que ficava fementido,

  O que dele Castela não cuidava,

  Determina de dar a doce vida

  A troco da palavra mal cumprida.

  “Already came the plighted time and tide, 37

  when the Castilian Don stood dight to see,

  before his pow’er the Prince bend low his pride,

  yielding the promised obediency.

  Egas who views his knightly word belied,

  while still Castile believes him true to be,

  sweet life resolveth to the winds to throw,

  nor live with foulest taint of faithless vow.

  38

  “E com seus filhos e mulher se parte

  A alevantar com eles a fiança,

  Descalços e despidos, de tal arte,

  Que mais move a piedade que a vingança.

  — “Se pretendes, Rei alto, de vingar-te

  De minha temerária confiança,

  Dizia, eis aqui venho oferecido

  A te pagar, coa vida, o prometido.

  “He with his children and his wife departeth 38

  to keep his promise with a faith immense;

  unshod and stripped, while their plight imparteth

  far more of pity than of vengeance:

  ‘If, mighty Monarch! still thy spirit smarteth

  to wreak revenge on my rash confidence,’

  quoth he, ‘behold! I come with life to save

  my pledge, my knightly Honour’s word I gave.’

  39

  “Vês aqui trago as vidas inocentes

  Dos filhos sem pecado e da consorte;

  Se a peitos generosos e excelentes,

  Dos fracos satisfaz a fera morte.

  Vês aqui as mãos e a língua delinquentes:

  Nelas sós exprimenta toda a sorte

  De tormentos, de mortes, pelo estilo

  De Cínis e do touro de Perilo”! —

  “‘I bring, thou seest here, lives innocent, 39

  of wife, of sinless children dight to die;

  if breasts of gen’erous mould and excellent

  accept such weaklings’ woeful destiny.

  Thou se’est these hands, this tongue inconsequent,

  hereon alone the fierce experiment try

  of torments, death, and doom that pass in full

  Sinis or e’en Perillus’ brazen bull.’

  40

  “Qual diante do algoz o condenado,

  Que já na vida a morte tem bebido,

  Põe no cepo a garganta, e já entregado

  Espera pelo golpe tão temido:

  Tal diante do Príncipe indinado,

  Egas estava a tudo oferecido.

  Mas o Rei, vendo a estranha lealdade,

  Mais pôde, enfim, que a ira a piedade.

  “As shrifted wight the hangman stands before, 40

  in life still draining bitter draught of death,

  lays throat on block, and of all hope forlore,

  expects the blighting blow with bated breath:

  So, in the Prince’s presence angry sore,

  Egas stood firm to keep his plighted faith:

  When the King, marv’elling at such wondrous truth,

  feels anger melt and merge in Royal ruth.

  41

  “Ó grão fidelidade Portuguesa,

  De vassalo, que a tanto se obrigava!

  Que mais o Persa fez naquela empresa,

  Onde rosto e narizes se cortava?

  Do que ao grande Dario tanto pesa,

  Que mil vezes dizendo suspirava,

  Que mais o seu Zopiro são prezara,

  Que vinte Babilónias que tomara.

  Oh the great Portingall-fidelity 41

  of Vassal self-devote to doom so dread!

  What did the Persian more for loyalty

  whose gallant hand his face and nostrils shred?

  When great Darius mourned so grievously

  that he a thousand times deep-sighing said,

  far he prefer’d his Zop’yrus sound again,

  than lord of twenty Babylons to reign.

  42

  Mas já o Príncipe Afonso aparelhava

  O Lusitano exército ditoso,

  Contra o Mouro que as terras habitava

  D’além do claro Tejo deleitoso;

  Já no campo de Ourique se assentava

  O arraial soberbo e belicoso,

  Defronte do inimigo Sarraceno,

  Posto que em força e gente tão pequeno.

  “But Prince Afonso now prepared his band 42

  of happy Lusians proud to front the foes,

  those haughty Moors that held the glorious land

  you side where clear delicious Tagus flows:

  Now on Ourique field was pitched and plan’d

  the Royal’Campment fierce and bellicose,

  facing the hostile host of Sarrasin

  though there so many, here so few there bin.

  43

  “Em nenhuma outra cousa confiado,

  Senão no sumo Deus, que o Céu regia,

  Que tão pouco era o povo batizado,

  Que para um só cem Mouros haveria.

  Julga qualquer juízo sossegado

  Por mais temeridade que ousadia,

  Cometer um tamanho ajuntamento,

  Que para um cavaleiro houvesse cento.

  “Confident, yet would he in nought confide, 43

  save in his God that holds of Heav’en the throne;

  so few baptized stood their King beside,

  there were an hundred Moors for every one:

  Judge any sober judgment, and decide

  ’twas deed of rashness or by brav’ery done

  to fall on forces whose exceeding might

  a cent’ury showed to a single Knight.

  44

  “Cinco Reis Mouros são os inimigos,

  Dos quais o principal Ismar se chama;

  Todos exprimentados nos perigos

  Da guerra, onde se alcança a ilustre fama.

  Seguem guerreiras damas seus amigos,

  Imitando a formosa e forte Dama,

  De quem tanto os Troianos se ajudaram,

  E as que o Termodonte já gostaram.

  “Order five
Moorish Kings the hostile host 44

  of whom Ismar, so called, command doth claim;

  all of long Warfare large experience boast,

  wherein may mortals win immortal fame:

  And gallant dames the Knights they love the most

  ‘company, like that brave and beauteous Dame,

  who to beleaguer’d Troy such aidance gave

  with woman-troops that drained Thermodon’s wave.

  45

  “A matutina luz serena e fria,

  As estrelas do Pólo já apartava,

  Quando na Cruz o Filho de Maria,

  Amostrando-se a Afonso, o animava.

  Ele, adorando quem lhe aparecia,

  Na Fé todo inflamado assim gritava:

  — “Aos infiéis, Senhor, aos infiéis,

  E não a mim, que creio o que podeis!”

  “The coolth serene, and early morning’s pride, 45

  now paled the sparkling stars about the Pole,

  when Mary’s Son appearing crucified

  in vision, strengthened King Afonso’s soul.

  But he, adoring such appearance, cried

  fired with a phrenzied faith beyond control:

  ‘To th’ Infidel, O Lord! to th’ Infidel:

  Not, Lord, to me who know Thy pow’er so well.’

  46

  “Com tal milagre os ânimos da gente

  Portuguesa inflamados, levantavam

  Por seu Rei natural este excelente

  Príncipe, que do peito tanto amavam;

  E diante do exército potente

  Dos imigos, gritando o céu tocavam,

  Dizendo em alta voz:— “Real, real,

  Por Afonso alto Rei de Portugal.”

  “Such gracious marvel in such manner sent 46

  ‘flamed the Lusians’ spirits fierce and high,

  towards their nat’ural King, that excellent

  Prince, unto whom love-boon none could deny:

  Aligned to front the foeman prepotent,

  they shouted res’onant slogan to the sky,

  and fierce the ‘larum rose, ‘Real, real,

  for high Afonso, King of Portugal!’

  47

  “Qual co’os gritos e vozes incitado,

  Pela montanha o rábido Moloso,

  Contra o touro remete, que fiado

  Na força está do corno temeroso:

  Ora pega na orelha, ora no lado,

  Latindo mais ligeiro que forçoso,

  Até que enfim, rompendo-lhe a garganta,

  Do bravo a força horrenda se quebranta:

  “As to the fight by calls defied and cries, 47

  some fierce Molossan on the wooded height,

  attacks the rampant Bull, who most relies

  on strength of tem’erous horn to force the fight:

  Now nips the ear, then at the side he flies

  barking, with more of nimbleness than might,

  till ripped at last the gullet of his foe

  he lays the mighty bulk of monster low:

  48

  “Tal do Rei novo o estâmago acendido

 

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