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Luis de Camoes Collected Poetical Works

Page 45

by Luis de Camoes


  Por Deus e pelo povo juntamente,

  O Bárbaro comete apercebido,

  Co’o animoso exército rompente.

  Levantam nisto os perros o alarido

  Dos gritos, tocam a arma, ferve a gente,

  As lanças e arcos tomam, tubas soam,

  Instrumentos de guerra tudo atroam.

  “So the new King, inflamed with zeal devout 48

  for God nor less for faithful Lieges’ sake,

  assails by cunning skill the barb’arous rout

  with Braves the fronting phalanx eath to break:

  Whereat the ban-dogs * Allah! Allah!’ shout,

  and fly to arms; our raging warriors shake

  the lance and bow; resound the trumpet tones;

  the musick thunders; Echo moans and groans.

  49

  “Bem como quando a flama, que ateada

  Foi nos áridos campos (assoprando

  O sibilante Bóreas) animada

  Co’o vento, o seco mato vai queimando;

  A pastoral companha, que deitada

  Co’o doce sono estava, despertando

  Ao estridor do fogo que se ateia,

  Recolhe o fato, e foge para a aldeia:

  “E’en as the prairie fire enkindled on 49

  sun-parched steppe (as winn’oweth upper air

  sibilant Boreas), by the blasts swift blown

  o’er bush and arid brake rains flame and flare:

  The shepherd lads and lasses, idly strown

  in rest and gentle slumber, waked by blare

  of crackling conflagration blazing higher,

  hamlet-wards force their flocks to fly the fire:

  50

  “Desta arte o Mouro atónito e torvado,

  Toma sem tento as armas mui depressa;

  Não foge; mas espera confiado,

  E o ginete belígero arremessa.

  O Português o encontra denodado,

  Pelos peitos as lanças lhe atravessa:

  Uns caem meios mortos, e outros vão

  A ajuda convocando do Alcorão.

  “Th’ astonied Moorman in such startled guise, 50

  snatcheth his weapon hast’ily and sans heed;

  yet he awaits the fight, nor ever flies,

  nay, spurs his battle-ginnet to its speed.

  Meet him as rash and swift his enemies

  whose piercing lances gar his bosom bleed:

  These fall half-slain, while others flee that can

  convoking aidance of their Alcoran.

  51

  “Ali se vêem encontros temerosos,

  Para se desfazer uma alta serra,

  E os animais correndo furiosos

  Que Neptuno amostrou ferindo a terra.

  Golpes se dão medonhos e forçosos;

  Por toda a parte andava acesa a guerra:

  Mas o de Luso arnês, couraça e malha

  Rompe, corta, desfaz, abola e talha.

  “There may be viewed ‘counters madly rash, 51

  onsets no Serra’s sturdy strength could stand,

  while charging here and there the chargers dash, —

  the gifts of Neptune smiting gravid Land: —

  Buffets they deal, and blows that bash and smash,

  burneth and blazeth Warfare’s blasting brand,

  but he of Lusus coat, mail, plate of steel,

  hacks, hews, breaks, batters, rives and rends piecemeal.

  52

  “Cabeças pelo campo vão saltando

  Braços, pernas, sem dono e sem sentido;

  E doutros as entranhas palpitando,

  Pálida a cor, o gesto amortecido.

  Já perde o campo o exército nefando;

  Correm rios de sangue desparzido,

  Com que também do campo a cor se perde,

  Tornado carmesi de branco e verde.

  “Men’s heads like bullets dance the bloody plain, 52

  ownerless arms and legs insens’ible lie,

  and quiv’ering entrails tell of mortal pain,

  and faces fade and life’s fair colours fly.

  Lost is that impious host, whose heaped slain

  roll o’er the green’ery rills of crimson dye;

  whereby the grasses lose their white and green

  and nought but glow of crimson gore is seen.

  53

  “Já fica vencedor o Lusitano,

  Recolhendo os troféus e presa rica;

  Desbaratado e roto o Mauro Hispano,

  Três dias o grão Rei no campo fiei.

  Aqui pinta no branco escudo ufano,

  Que agora esta vitória certifica,

  Cinco escudos azuis esclarecidos,

  Em sinal destes cinco Reis vencidos,

  “But now the Lusian victor held the field 53

  his trophies gathering, and his gorgeous prey:

  The crusht Hispanian Moor was forced to yield

  while on the plain three days the great King lay.

  And now he chargeth on his virgin shield,

  what still assures this well-won Vict’ory.

  five noble inescutcheons azure-hued,

  signing the Moorish Five his sword subdued.

  54

  “E nestes cinco escudos pinta os trinta

  Dinheiros por que Deus fora vendido,

  Escrevendo a memória em vária tinta,

  Daquele de quem foi favorecido.

  Em cada uni dos cinco, cinco pinta,

  Porque assim fica o número cumprido,

  Contando duas vezes o do meio,

  Dos cinco azuis, que em cruz pintando veio.

  “He paints with bezants five each ‘scutcheon, 54

  the thirty silvers wherewith God was sold,

  and various tinctures make His mem’ory known,

  whose grace and favour did his cause uphold.

  Painted on every cinque a cinque is shown;

  and, that the thirty may be fully told,

  counteth for two the one that central lies

  of the five azures painted crossy-wise.

  55

  “Passado já algum tempo que passada

  Era esta grão vitória, o Rei subido

  A tomar vai Leiria, que tomada

  Fora, mui pouco havia, do vencido.

  Com esta a forte Arronches sojugada

  Foi juntamente, e o sempre enobrecido

  Scalabicastro, cujo campo ameno,

  Tu, claro Tejo, regas tão sereno.

  “Some time has passed, since this gain had past 55

  of goodly battail, when the high King hies

  to take Leiria, lately tane and last

  conquest that boast our conquer’d enemies.

  Herewith Arronches castled strong and fast

  is jointly gained with the noble prize

  Scalabicastro, whose fair fields amene

  thou, chrystal Tagus! bathest all serene

  56

  “A estas nobres vilas sometidas,

  Ajunta também Mafra, em pouco espaço,

  E nas serras da Lua conhecidas,

  Sojuga a fria Sintra o duro braço;

  Sintra, onde as Naiades, escondidas

  Nas fontes, vão fugindo ao doce laço,

  Onde Amor as enreda brandamente,

  Nas águas acendendo fogo ardente.

  “Unto this conquered roll of towns his might 56

  eke addeth Mafra won in shortest space,

  and in the Mountains which the Moon hath hight

  he clasps frore Cintra to his hard embrace;

  Cintra, whose Naiads love to hide their light

  by hidden founts and fly the honey’d lace,

  which Love hath woven ‘mid the hills where flow

  the waters flaming with a living lowe.

  57

  “E tu, nobre Lisboa, que no Mundo

  Facilmente das outras és princesa,

  Que edificada foste do facundo,

  Por cujo engano foi Dardânia acesa;

  Tu, a
quem obedece o mar profundo,

  Obedeceste à força Portuguesa,

  Ajudada também da forte armada,

  Que das Boreais partes foi mandada.

  “And thou, O noble Lisbon! thou encrown’d 57

  Princess elect of Cities capital,

  rear’d by the facund Rover-King renown’d,

  whose wiles laid low Dardania’s burning wall:

  Thou, whose commands oblige the Sea’s Profound,

  wast taught to bear the Lusitanian’s thrall,

  aided by potent navies at what time

  they came crusading from the Boreal clime.

  58

  “Lá do Germânico Albis, e do Rene,

  E da fria Bretanha conduzidos,

  A destruir o povo Sarraceno,

  Muitos com tensão santa eram partidos.

  Entrando a boca já do Tejo ameno,

  Co’o arraial do grande Afonso unidos,

  Cuja alta fama então subia aos Céus,

  Foi posto cerco tos muros Ulisseus.

  “Beyond Germanic Albis and the Rhene, 58

  and from Britannia’s misty margin sent,

  to waste and slay the people Sarracene,

  many had sailed on holy thoughts intent.

  Now gained the Tagus-mouth, our stream amene

  to great Afonso’s royal camp they went,

  whose lofty fame did thence the Heav’ens invade

  and siege to Ulyssea’s walls they laid.

  59

  “Cinco vezes a Lua se escondera,

  E outras tantas mostrara cheio o rosto,

  Quando a cidade entrada se rendera

  Ao duro cerco, que lhe estava posto.

  Foi a batalha tão sanguina e fera,

  Quanto obrigava o firme pressuposto

  De vencedores ásperos e ousados,

  E de vencidos já desesperados.

  “Five sequent times her front had Luna veiled, 59

  five times her lovely face in full had shown,

  when oped her gate the City, which availed

  no Force ‘gainst ‘sieging forces round her thrown.

  Right bloody was th’ assault and fierce th’ assailed,

  e’en as their stubborn purpose bound them down;

  asp’erous the Victor, ready all to dare,

  the Vanquisht, victims of a dire despair.

  60

  “Desta arte enfim tomada se rendeu

  Aquela que, nos tempos já passados,

  A grande força nunca obedeceu

  Dos frios povos Cíticos ousados,

  Cujo poder a tanto se estendeu

  Que o Ibero o viu e o Tejo amedrontados;

  E enfim co’o Bétis tanto alguns puderam

  Que à terra de Vandália nome deram.

  “Thus won she yielded and, in fine, she lay 60

  prostrate that City which, in days of old,

  the mighty meiny never would obey

  of frigid Scythia’s hordes immanely bold:

  Who could so far extend their savage sway,

  till Ebro saw’t, and Tagus trembling roll’d;

  and some o’er Baetis-land, in short, so swept

  that was the region Vandalia ‘clept.

  61

  “Que cidade tão forte por ventura

  Haverá que resista, se Lisboa

  Não pôde resistir à força dura

  Da gente, cuja fama tanto voa?

  Já lhe obedece toda a Estremadura,

  Óbidos, Alenquer, por onde soa

  O tom das frescas águas, entre as pedras,

  Que murmurando lava, e Torres Vedras.

  “What might of city could perchance endure 61

  prowess which proud Lisboa might not bear?

  Who mote resist the powers dure and dour

  of men, whose Fame from earth invadeth air?

  Now yield obedience all Estremadure,

  Obidos, Torres Vedras, Alemquer,

  where softly plash the musick-murmuring waves,

  ‘mid rocks and reefs whose feet the torrent laves.

  62

  “E vós também, ó terras Transtaganas,

  Afamadas co’o dom da flava Ceres,

  Obedeceis às forças mais que humanas,

  Entregando-lhe os muros e os poderes.

  E tu, lavrador Mouro, que te enganas,

  Se sustentar a fértil terra queres;

  Que Elvas, e Moura, e Serpa conhecidas,

  E Alcácere-do-Sal estão rendidas.

  “Eke ye, Transtagan lands! ye justly vain 62

  of flavous Ceres’ bien and bonny boon,

  yielded to might above the might of men

  the walls and castles by his valour won:

  Thou, too, Moor-yeoman! hopest hope insane,

  those riant regions long as lord to own;

  for Elvas, Moura, Serpa, well-known sites,

  with Alcacer-do-Sal must yield their rights.

  63

  “Eis a nobre Cidade, certo assento

  Do rebelde Sertório antigamente,

  Onde ora as águas nítidas de argento

  Vem sustentar de longo a terra e a gente,

  Pelos arcos reais, que cento e cento

  Nos ares se alevantam nobremente,

  Obedeceu por meio e ousadia

  De Giraldo, que medos não temia.

  “The noble City and sure seat behold, 63

  held by Sertorius, rebel famed whilome;

  where now the nitid silv’ery waters cold,

  brought from afar to bless the land and home,

  o’erflow the royal arches hundredfold,

  whose noble sequence streaks the dark-blue dome;

  not less succumb’d she to her bold pursuer,

  to Giraldo, entitled ‘Knight Sans Peur.’

  64

  “Já na cidade Beja vai tomar

  Vingança de Trancoso destruída

  Afonso, que não sabe sossegar,

  Por estender coa fama a curta vida.

  Não se lhe pode muito sustentar

  A cidade; mas sendo já rendida,

  Em toda a cousa viva a gente irada

  Provando os fios vai da dura espada.

  “Fast towards Beja city, vengeful prest, 64

  to slake his wrath for spoilt Trancoso’s wrong,

  Afonso, who despiseth gentle rest

  and would brief human life by Fame prolong.

  Feebly resisteth him and his behest

  the City, falling to his arms ere long,

  and nought of life within her walls but feel

  the raging victor’s edge of merciless steel.

  65

  “Com estas sojugada foi Palmela,

  E a piscosa Cezimbra, e juntamente,

  Sendo ajudado mais de sua estrela,

  Desbarata um exército potente:

  Sentiu-o a vila, e viu-o a serra dela,

  Que a socorrê-la vinha diligente

  Pela fralda da serra, descuidado

  Do temeroso encontro inopinado.

  “With these Palmella yielded to the war, 65

  piscous Cezimbra, eke, her finny spoils;

  then, aided onwards by his fortunate star,

  the King a pow’erful force of foemen foils:

  Felt it the City, saw’t her Lord afar,

  who to support and aid her spares no toils,

  along the hill-skirt marching all unware

  of rash encounter lackt he heed and care.

  66

  “O Rei de Badajoz era alto Mouro,

  Com quatro mil cavalos furiosos,

  Inúmeros peões, d’armas e de ouro

  Guarnecidos, guerreiros e lustrosos.

  Mas, qual no mês de Maio o bravo touro,

  Co’os ciúmes da vaca, arreceosos,

  Sentindo gente o bruto e cego amante

  Salteia o descuidado caminhante:

  “The King of Bad’ajoz was a Moslem bold, 66

  with horse four thousand, fierce and furious Kn
ights,

  and countless Peons, armed and dight with gold,

  whose polisht surface glanceth lustrous light.

  But as a savage Bull on lonely wold,

  whom jealous rage in hot May-month incites,

  sighting a stranger, mad with love and wrath

  the brute blind lover chargeth down the path:

  67

  “Desta arte Afonso súbito mostrado

  Na gente dá, que passa bem segura,

  Fere, mata, derriba denodado;

  Foge o Rei Mouro, e só da vida cura.

  Dum pânico terror todo assombrado,

  Só de segui-lo o exército procura;

  Sendo estes que fizeram tanto abalo

  Não mais que só sessenta de cavalo.

  “So doth Afonso, sudden seen the foes 67

  that urge their forward march securely brave,

  strike, slay, and scatter, raining doughty blows;

  flies the Moor King, who recks but self to save:

  Naught save a panick fear his spirit knows;

  his followers eke to follow only crave;

  while ours, who struck a stroke so sore, so fell,

  were sixty horsemen told in fullest tale.

  68

  “Logo segue a vitória sem tardança

  O grão Rei incansábil, ajuntando

  Gentes de todo o Reino, cuja usança

  Era andar sempre terras conquistando.

  Cercar vai Badajoz, e logo alcança

  O fim de seu desejo, pelejando

  Com tanto esforço, e arte, e valentia,

  Que a fez fazer às outras companhia.

  “Victory swift pursuing, rest disdaineth 68

  the great untiring King; he must’ereth all

  the lieges of his land, whom nought restraineth

  from ever seeking stranger realms to ‘thrall.

  He wends to ‘leaguer Bad’ajoz, where he gaineth

  his soul’s desire, and battleth at her fall

  with force so fierce, and art and heart so true

  his deeds made others fain to dare and do.

  69

  “Mas o alto Deus, que para longe guarda

  O castigo daquele que o merece,

  Ou, para que se emende, às vezes tarda,

  Ou por segredos que homem não conhece,

  Se até que sempre o forte Rei resguarda

  Dos perigos a que ele se oferece;

  Agora lhe não deixa ter defesa

  Da maldição da mãe que estava presa.

  “But the high Godhead, who when man offends, 69

  so long deserved penalties delays,

  waiting at times to see him make amends,

  or for deep myst’ery hid from man’s dull gaze;

  if He our valiant King till now defends

  from dangers, faced fast as foes can raise;

  lends aid no longer, when for vengeance cries

  the Mother’s curses who in prison lies;

  70

  “Que estando na cidade, que cercara,

  Cercado nela foi dos Lioneses,

  Porque a conquista dela lhe tomara,

 

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