Luis de Camoes Collected Poetical Works
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A tomou dos fugidos homicidas.
Do outro Pedro cruíssimo os alcança,
Que ambos, imigos das humanas vidas,
O concerto fizeram, duro e injusto,
Que com Lépido e António fez Augusto.
“Time ran not long, ere Pedro saw the day 136
of vengeance dawn for wounds that ever bled;
who, when he took in hand the kingly sway,
eke took the murth’erers who his rage had fled:
Them a most cruel Pedro did betray;
for both, if human life the foemen dread,
made concert savage and dure pact, unjust as
Lepidus made with Anth’ony and Augustus.
137
“Este, castigador foi rigoroso
De latrocínios, mortes e adultérios:
Fazer nos maus cruezas, fero e iroso,
Eram os seus mais certos refrigérios.
As cidades guardando justiçoso
De todos os soberbos vitupérios,
Mais ladrões castigando à morte deu,
Que o vagabundo Aleides ou Teseu.
“This in his judgments rig’orous and severe, 137
plunder, advoutries, murtherers supprest:
To stay with cruel grasp Crime’s dark career,
bred sole assured solace in his breast:
A Justiciary, not by love but fear,
he guarded Cities from haught tyrant-pest;
their doom more robbers dree’d by his decrees
than Theseus slew, or vagueing Hercules.
138
“Do justo e duro Pedro nasce o brando,
(Vede da natureza o desconcerto!)
Remisso, e sem cuidado algum, Fernando,
Que todo o Reino pôs em muito aperto:
Que, vindo o Castelhano devastando
As terras sem defesa, esteve perto
De destruir-se o Reino totalmente;
Que um fraco Rei f az fraca a forte gente.
“Pedro, the harshly just, begets the bland, 138
(see what exceptions lurk in Nature’s laws!)
remiss, and all-regardless prince, Fernand,
who ran his realm in danger’s open jaws:
For soon against the weak, defenceless land
came the Castilian, who came nigh to cause
the very ruin of the Lusian reign;
for feeble Kings, enfeeble strongest strain.
139
“Ou foi castigo claro do pecado
De tirar Lianor a seu marido,
E casar-se com ela, de enlevado
Num falso parecer mal entendido;
Ou foi que o coração sujeito e dado
Ao vício vil, de quem se viu rendido,
Mole se fez e fraco; e bem parece,
Que um baixo amor os fortes enfraquece.
“Or ’twas the wages Sin deserves of Heaven, 139
that filched Leonor from marriage bed,
by false, misunderstood opinions driven
another’s wife, a leman-bride to wed;
Or ’twas because his easy bosom given
to vice and vileness, and by both misled,
waxed effeminate weak; which may be true,
for low-placed loves the highest hearts subdue.
140
“Do pecado tiveram sempre a pena
Muitos, que Deus o quis, e permitiu:
Os que foram roubar a bela Helena,
E com Apio também Tarquilio o viu.
Pois por quem David Santo se condena?
Ou quem o Tribo ilustre destruiu
De Benjamim? Bem claro no-lo ensina
Por Sara Faraó, Siquém por Dina.
“Of such offences ever paid the pain 140
many, whom God allowed or willed He;
those who fared forth to force the fair Helen;
Appius and Tarquin, eke, such end did see:
Say, why should David of the saintly strain
so blame himself? What felled th’ illustrious tree
of Benjamin? (Full well the truth design a
Pharaoh for Sara, Sichem for a Dinah.
141
“E pois se os peitos fortes enfraquece
Um inconcesso amor desatinado,
Bem no filho de Alcmena se parece,
Quando em Ônfale andava transformado.
De Marco António a faina se escurece
Com ser tanto a Cleopatra afeiçoado.
Tu também, Peno próspero, o sentiste
Depois que uma moça vil na Apúlia viste.
“But if so weakeneth forceful human breast 141
illicit Love, which spurns the golden mean,
well in Alcmena’s son we find the test
as Omphale disguis’ed to hero-quean.
Anthony’s fame a shade of shame confest,
to Cleopatra bound by love too keen;
nor less thou, Punick victor! wast betray’d
by low allegiance to some Puglian maid.
142
“Mas quem pode livrar-se por ventura
Dos laços que Amor arma brandamente
Entre as rosas e a neve humana pura,
O ouro e o alabastro transparente?
Quem de uma peregrina formosura,
De um vulto de Medusa propriamente,
Que o coração converte, que tem preso,
Em pedra não, mas em desejo aceso?
“Yet say who, peradventure, shall secure 142
his soul from Cupid armed with artful snare
‘mid the live roses, human snow so pure,
the gold and alabaster chrystal-clare?
who ‘scapeth Beauty’s wiles and per’egrine lure,
the true Medusa-face so awful fair,
which man’s imprison’d, witch-bound heart can turn
no, not to stone, but flames that fiercely burn?
143
“Quem viu um olhar seguro, um gesto brando,
Uma suave e angélica excelência,
Que em si está sempre as almas transformando,
Que tivesse contra ela resistência?
Desculpado por certo está Fernando,
Para quem tem de amor experiência;
Mas antes, tendo livre a fantasia,
Por muito mais culpado o julgaria.
“Who se’eth a firm-fixt glance, a gesture bland, 143
soft promises of angel-excellence,
the soul transforming aye by charmed command;
say, who from pow’er like this can find defence?
Pardie, he scantly blameth King Fernand
who pays, as he did, Love’s experience:
But human Judgment would, if fancy-free,
adjudge his laches even worse to be.
CANTO QUARTO — CANTO IV.
ARGUMENT OF THE FOURTH CANTO.
DA GAMA pursueth his discourse with the King of Melinde, and relateth the wars between Portugal and Castile, touching the succession to the throne, after the death of the king, D. Fernando: Military feats of the Constable, D. Nuno Alvares Pereira: Battle and victory of Aljubarrota: Diligent attempts to discover India by land, in the days of the king D. Joam II.: How the king D. Manoel gained this end by resolving upon the present voyage: Preparations for it: Embarkation and farewells of the navigators upon the Belem beach.
ANOTHER ARGUMENT.
Acclamado Joao, de Pedro herdeiro,
Convoca Leonor ao Castelhano:
Oppoem-se Nuno, intrepido gnerreiro;
Da-se batalha, vence o Lusitano:
Quem a Aurora buscar tentou primeiro
Pelas tumidas ondas do Oceano;
E como ao Gama coube esta alta empreza,
Por affinar a gloria Portugueza.
1
“Depois de procelosa tempestade,
Noturna sombra e sibilante vento,
Traz a manhã serena claridade,
Esperança de porto e salvamento;
Aparta o sol a negra escuridade,
Removendo o temor do pensa
mento:
Assim no Reino forte aconteceu,
Depois que o Rei Fernando faleceu.
“AFTER the horrors of the stormy Night, 1
with gloom, and lightning-gleams, and hiss of wind,
breaks lovely Morning’s pure and blessed light,
with hope of haven and sure rest to find:
Sol banisheth the dark obscure from sight,
laying the terror of man’s timid mind:
Thus to the doughty kingdom it befel,
when King Fernando bade this world farewell.
2
“Porque, se muito os nossos desejaram
Quem os danos e ofensas vá vingando
Naqueles que tão bem se aproveitaram
Do descuido remisso de Fernando,
Depois de pouco tempo o alcançaram,
Joane, sempre ilustre, alevantando
Por Rei, como de Pedro único herdeiro,
(Ainda que bastardo) verdadeiro.
“For, if so many with such hopes were fired 2
for one whose potent arm their harms could pay
on those, that wrought their wrongs with soul untired,
nerved by Fernando’s heedless, feeble way;
in shortest time it happed as they desired,
when ever-glorious John arose to sway,
the only heir that did from Pedro spring,
and (though a bastard) every inch a King.
3
“Ser isto ordenação dos céus divina,
Por sinais muito claros se mostrou,
Quando em Évora a voz de uma menina,
Ante tempo falando o nomeou;
E como cousa enfim que o Céu destina,
No berço o corpo e a voz alevantou:
— “Portugal! Portugal!” alçando a mão
Disse “pelo Rei novo, Dom João.” —
“That such accession came from Heaven divine 3
proved ‘special marvels, God His truth proclaiming,
when Ev’ora city saw the choicest sign,
a babe of age unspeech’d the ruler naming;
and, but to show the Heav’en’s supreme design,
she raised her cradled limbs and voice, exclaiming, —
‘Portugal! Portugal!’ high uplifting hand,
‘for the new king, Dom John, who rules the land.’
4
“Alteradas então do Reino as gentes
Co’o ódio, que ocupado os peitos tinha,
Absolutas cruezas e evidentes
Faz do povo o furor por onde vinha;
Matando vão amigos e parentes
Do adúltero Conde e da Rainha,
Com quem sua incontinência desonesta
Mais (depois de viúva) manifesta.
“Changed in sprite were all within the Reign, 4
old hatreds firing hearts with novel flame;
absolute cruelties none cared restrain
popular Fury dealt to whence it came:
Soon are the friends and kith and kinsmen slain
of the adult’erous County and the Dame,
with whom incontinent love and lust unblest,
the wappen’d widow showed manifest.
5
“Mas ele enfim, com causa desonrado,
Diante dela a ferro frio morre,
De outros muitos na morte acompanhado,
Que tudo o fogo erguido queima e corre:
Quem, como Astianás, precipitado,
(Sem lhe valerem ordens) de alta torre,
A quem ordens, nem aras, nem respeito;
Quem nu por ruas, e em pedaços feito.
“But he, dishonour’d and with cause, at last 5
by cold white weapon falls before her eyes,
and with him many to destruction past;
for flame so kindled all consuming flies:
This, like Astyanax, is headlong cast
from the tall steeple (‘spite his dignities);
whom orders, altar, honours, nought avail;
those through the high ways, torn and stript they trail.’
6
“Podem-se pôr em longo esquecimento
As cruezas mortais que Roma viu
Feitas do feroz Mário e do cruento
Sila, quando o contrário lhe fugiu.
Por isso Lianor, que o sentimento
Do morto Conde ao mundo descobriu,
Faz contra Lusitânia vir Castela,
Dizendo ser sua filha herdeira dela.
“Now long Oblivion veils the deeds accurst 6
of mortal fierceness, such as Rome beheld,
done by fierce Marius, or the bloody thirst
of Sylla, when parforce his foe expel’d.
Thus Leonor, who mortal vengeance nurst
for her dead County gars, with fury swell’d,
Castilia’s force on Lusitania fall,
calling her daughter heir of Portugal.
7
“Beatriz era a filha, que casada
Co’o Castelhano está, que o Reino pede,
Por filha de Fernando reputada,
Se a corrompida fama lhe concede.
Com esta voz Castela alevantada,
Dizendo que esta filha ao pai sucede,
Suas forças ajunta para as guerras
De várias regiões e várias terras.
“Beatrice was the daughter, interwed 7
with the Castilian, who for kingship greedeth,
putative offspring of Fernando’s bed,
if evil Fame so much to her concedeth.
Hearing the voice, Castile high raiseth head,
and saith this daughter to her sire succeedeth;
for warfare must’ereth she her warrior bands
from various regions and from various lands.
8
Vem de toda a província que de um Brigo
(Se foi) já teve o nome derivado;
Das terras que Fernando e que Rodrigo
Ganharam do tirano e Mauro estado.
Não estimam das armas o perigo
Os que cortando vão co’o duro arado
Os campos Lioneses, cuja gente
C’os Mouros foi nas armas excelente.
“They flock from all the Province, by one Brigo 8
(if such man ever was) yclept of yore;
and lands by Ferd’inand won, and Cid Rodrigo
from the tyrannick gov’ernance of the Moor.
Little in fear of warlike feat doth he go
who with hard plowshare cleaving lordeth o’er
the champaign Leoneze, and boasts to be
the blight and bane of Moorish chivalry.
9
“Os Vândalos, na antiga valentia
Ainda confiados, se ajuntavam
Da cabeça de toda Andaluzia,
Que do Guadalquibir as águas lavam.
A nobre Ilha também se apercebia,
Que antigamente os Tírios habitavam,
Trazendo por insígnias verdadeiras
As Hercúleas colunas nas bandeiras.
“In Valour’s ancient fame the Vandal host, 9
confident still and stubborn, ‘gan appear
from all Andalusia’s head and boast,
laved by thy chrystal wave, Guadalquivir!
the noble Island eke, whilere the post
of Tyrian strangers, to the war drew near,
bringing insignia by renown well known,
Hercules’ Pillars on their pennons shown.
10
“Também vem lá do Reino de Toledo,
Cidade nobre e antiga, a quem cercando
O Tejo em torno vai suave e ledo
Que das serras de Conca vem manando.
A vós outros também não tolhe o medo,
Ó sórdidos Galegos, duro bando,
Que para resistirdes vos armastes,
Aqueles, cujos golpes já provasses.
“Eke come they trooping from Toledo’s reign, 10
City of noble, ancient or’igin
, span’d
by Tagus circling with his sweet glad vein,
that bursts and pours from Conca’s mountain-land.
You also, you, all craven fear disdain
sordid Gallegos! hard and canny band,
for stern resistance fast to arms ye flew,
warding their doughty blows whose weight ye knew.
11
“Também movem da guerra as negras fúrias
A gente Biscainha, que carece
De polidas razões, e que as injúrias
Muito mal dos estranhos compadece.
A terra de Guipúscua e das Astúrias,
Que com minas de ferro se enobrece,
Armou dele os soberbos moradores,
Para ajudar na guerra a seus senhores.
“Eke War’s black Furies hurried to the fight 11
the fierce Biscayan folk, who clean despise
all polisht reasons, and ne wrong ne slight
of stranger races bear in patient guise.
Asturias-land and that Guipusc’oan hight,
proud of the mine which iron ore supplies,
with at their haughty sworders armed and made
ready their rightful lords i’ the war to aid.
12
“Joane, a quem do peito o esforço cresce,
Como a Sansão Hebréio da guedelha,
Posto que tudo pouco lhe parece,
Co’os poucos de seu Reino se aparelha;
E não porque conselho lhe falece,
Co’os principais senhores se aconselha,
Mas só por ver das gentes as sentenças:
Que sempre houve entre muitos diferenças.
“John in whose bosom Peril only grows 12
the strength Jew Sampson borrow’d of his hair,
though all he hath be few to fight his foes,
yet bids his few for battle-gage prepare:
And, not that counsel fails when danger shows,
with his chief lords he counsels on th’ affair,
but drift of inner thoughts he seeks and finds;
for ‘mid the many there be many minds.
13
“Não falta com razões quem desconcerte
Da opinião de todos, na vontade,
Em quem o esforço antigo se converte
Em desusada e má deslealdade;
Podendo o temor mais, gelado, inerte,
Que a própria e natural fidelidade:
Negam o Rei e a pátria, e, se convém,
Negarão (como Pedro) o Deus que têm.
“Nor lack their reas’onings who would disconcert 13
opinions firmly fixt in pop’ular will,
whose weal of ancient valour is convert
to an unused and disloyal ill:
Men in whose hearts Fear, gelid and inert,
reigneth, which faith and truth were wont to fill:
Deny they King and Country; and, if tried,
they had (as Peter did) their God denied.
14
“Mas nunca foi que este erro se sentisse