Book Read Free

Luis de Camoes Collected Poetical Works

Page 54

by Luis de Camoes


  Buscas o incerto e incógnito perigo

  Por que a fama te exalte e te lisonge,

  Chamando-te senhor, com larga cópia,

  Da Índia, Pérsia, Arábia e de Etiópia?

  “‘ Dost leave the foeman breeding at thy gate 101

  who wendest foreign far-off fone to seek;

  whereby this antique realm lies desolate;

  whose strength, o’erstretched, waxeth ruinous weak?

  Seekest thou dark and dubious chance of fate,

  who hearest Fame with honey’d accents speak,

  lauding thy lot, and hailing thee seignior

  of Inde, Perse, Arab and AEthiopia-shore?

  102

  —”Ó maldito o primeiro que no mundo

  Nas ondas velas pôs em seco lenho,

  Dino da eterna pena do profundo,

  Se é justa a justa lei, que sigo e tenho!

  Nunca juízo algum alto e profundo,

  Nem cítara sonora, ou vivo engenho,

  Te dê por isso fama nem memória,

  Mas contigo se acabe o nome e glória.

  “‘ Oh, curst the Mortal, who the first was found 102

  teaching the tree to wear the flowing sheet!

  worthy th’ eternal pains of the Profound,

  if just that justest law I hold and greet.

  Ne’er may man’s judgment lofty and renown’d,

  nor genius rare, nor harp sonorous sweet,

  requite such gift with mem’ory, honour, fame;

  perish thy glory, perish e’en thy name!

  103

  — “Trouxe o filho de Jápeto do Céu

  O fogo que ajuntou ao peito humano,

  Fogo que o mundo em armas acendeu

  Em mortes, em desonras (grande engano).

  Quanto melhor nos fora, Prometeu,

  E quanto para o mundo menos dano,

  Que a tua estátua ilustre não tivera

  Fogo de altos desejos, que a movera!

  “‘Iapetus’ daring Son from Heaven brought 103

  the fire he added human breast to bless;

  fire, that inflamed to wars a world distraught,

  with death and eke disgrace: (ah, sad distress!)

  How better far for us and ours hadst wrought

  Prometheus! and with loss of life the less;

  had thy famed Statue never felt the fire

  of great designs that ‘gender great desire!

  104

  — “Não cometera o moço miserando

  O carro alto do pai, nem o ar vazio

  O grande Arquiteto co’o filho, dando

  Um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.

  Nenhum cometimento alto e nefando,

  Por fogo, ferro, água, calma e frio,

  Deixa intentado a humana geração.

  Mísera sorte, estranha condição!” —

  “‘Ne’er had the Stripling, miserably brave, 104

  ‘tempted his Sire’s high car, nor empty Air

  the mighty Mason and his boy, who gave

  names which the Sea-gulf and the River bear.

  No fierce emprize and fell, by land and wave,

  through fire, steel, water, wind, frost, heat, to fare,

  wherein the human race loves not to range.

  Sorrowful sort condition strangest strange!’

  CANTO QUINTO — CANTO V.

  ARGUMENT OF THE FIFTH CANTO.

  VASCO DA GAMA pursueth the recital of his voyage, and describeth to the King of Melinde his departure from Lisbon; the divers lands whereat they touched, and the peoples whom they saw as far as the Cape of Good Hope: The chance of Fernam Velloso: The tale of the giant Adamastor: Continuation of the voyage to Melinde, where the discourse endeth; peace and true friendship being established between the Gama and that King.

  ANOTHER ARGUMENT.

  Relata o Gama illustre ao Rei potente

  Sua viagem long a, e incerta via,

  As estranhas nacoes de Africa ardente,

  E de Fernao Velloso a ousadia:

  Como a Adamastor vio, Gigante ingente,

  Que hum dos filhos da terra se dizia,

  E as consas que passou ate seu porto

  Onde repouso achou e sao conforto.

  1

  “Estas sentenças tais o velho honrado

  Vociferando estava, quando abrimos

  As asas ao sereno e sossegado

  Vento, e do porto amado nos partimos.

  E, como é já no mar costume usado,

  A vela desfraldando, o céu ferimos,

  Dizendo: “Boa viagem”, logo o vento

  Nos troncos fez o usado movimento.

  “SUCH words that aged Sire of honoured mien 1

  still was exclaiming, as we spread the wing

  to catch the sea-breath gentle and serene,

  and from the well-known Port went sorrowing:

  After the manner of far-faring men,

  when loosed the sail we garred the welkin ring

  crying ‘Boon Voyage!’ whereupon the breeze

  made every trunk glide off with ‘customed ease.

  2

  “Entrava neste tempo o eterno lume

  No animal Nemeio truculento,

  E o mundo, que com tempo se consume,

  Na sexta idade andava enfermo e lento:

  Nela vê, como tinha por costume,

  Cursos do sol quatorze vezes cento,

  Com mais noventa e sete, em que corria,

  Quando no mar a armada se estendia.

  “Twas in the season when th’ Eternal Light 2

  entered the Beast that workt Nemaea’s woe;

  and rolled our Earth, consumed by Time’s long flight,

  in her sixth epoch, feeble, cold and slow:

  Now, in the wonted way, had met her sight

  the suns that fourteen thousand courses show,

  with seven and ninety more, wherein she ran,

  as o’er the seas th’ Armada’s course began.

  3

  “Já a vista pouco e pouco se desterra

  Daqueles pátrios montes que ficavam;

  Ficava o caro Tejo, e a fresca serra

  De Sintra, e nela os olhos se alongavam.

  Ficava-nos também na amada terra

  O coração, que as mágoas lá deixavam;

  E já depois que toda se escondeu,

  Não vimos mais enfim que mar e céu.

  “Slow, ever slower, banisht from our eyne, 3

  vanisht our native hills astern remaining:

  Remained dear Tagus, and the breezy line

  of Cintran peaks, long, long, our gaze detaining:

  Remained eke in that dear country mine

  our hearts with pangs of mem’ory ever paining:

  Till, when all veiled sank in darkling air,

  naught but the welkin and the wave was there.

  4

  “Assim fomos abrindo aqueles mares,

  Que geração alguma não abriu,

  As novas ilhas vendo e os novos ares,

  Que o generoso Henrique descobriu;

  De Mauritânia os montes e lugares,

  Terra que Anteu num tempo possuiu,

  Deixando à mão esquerda; que à direita

  Não há certeza doutra, mas suspeita.

  “Thus fared we opening those wastes of tide, 4

  no generation opened before;

  sighting new islands and new airs we hied,

  which gen’erous Henry had the heart t’ explore:

  Past Mauritanian hills and homes we plied,

  the realm Antaeus ruled in times of yore,

  leaving to larboard; on our dexter hand

  lay nothing surer than suspected land.

  5

  “Passamos a grande Ilha da Madeira,

  Que do muito arvoredo assim se chama,

  Das que nós povoamos, a primeira,

  Mais célebre por nome que por fama:

  Mas nem por ser do mundo a derradeira

&
nbsp; Se lhe aventajam quantas Vénus ama,

  Antes, sendo esta sua, se esquecera

  De Cipro, Gnido, Pafos e Citera.

  “Hard by the great Madeiran Isle we past, 5

  whose wealth of woodland won her chryssome name;

  where first our people did their fortunes cast,

  for name more famous than for classick fame:

  But not the least, although ’twas found the last,

  the smiles of Venus shall this Island claim:

  Nay, an ‘twere hers, scant cause it had to fear a

  Cnidos or Cyprus, Paphos or Cythera.

  6

  “Deixamos de Massília a estéril costa,

  Onde seu gado os Azenegues pastam,

  Gente que as frescas águas nunca gosta

  Nem as ervas do campo bem lhe abastam:

  A terra a nenhum fruto enfim disposta,

  Onde as aves no ventre o ferro gastam,

  Padecendo de tudo extrema inópia,

  Que aparta a Barbaria de Etiópia.

  “We left Massylia’s seaboard, sterile waste, 6

  where Azeneguan herds their cattle feed;

  a folk that never soft sweet waters taste,

  nor doth the meadow-math suffice their need;

  a land no luscious fruit’ery ever graced,

  where birds spoil iron in their maws of greed,

  a soil where nought save horrid Want abounds,

  parting the Berber’s from the Blackmoor’s grounds.

  7

  “Passamos o limite aonde chega

  O Sol, que para o Norte os carros guia,

  Onde jazem os povos a quem nega

  O filho de Climene a cor do dia.

  Aqui gentes estranhas lava e rega

  Do negro Sanagá a corrente fria,

  Onde o Cabo Arsinário o nome perde,

  Chamando-se dos nossos Cabo Verde.

  “We past the limit where, his southing done, 7

  Sol guides his chariot toward his northern goal;

  where lie the Races whence Clymene’s son

  the clear bright colour of the daylight stole;

  Here laving strangest peoples loves to run

  black Sanaga in tropick summer cool;

  where th’ Arsenarium Cape its name hath lost,

  yclept Cape Verd by us that keep the coast.

  8

  “Passadas tendo já as Canárias ilhas,

  Que tiveram por nome Fortunadas,

  Entramos, navegando, pelas filhas

  Do velho Hespério, Hespérides chamadas;

  Terras por onde novas maravilhas

  Andaram vendo já nossas armadas.

  Ali tomamos porto com bom vento,

  Por tomarmos da terra mantimento.

  “Now past Canaria’s archipelago, — 8

  ‘ Fortunate Isles’ of olden mariners these, —

  the waves that play around the Maids we plow

  of aged Hesper, hight Hesperides:

  Lands ever new, whose wonders greater grow

  upon the sight, uprose our eyne to please:

  Then with a prosp’rous wind we took the port,

  to take provision of the wonted sort.

  9

  “Aquela ilha apartamos, que tomou

  O nome do guerreiro Santiago,

  Santo que os Espanhóis tanto ajudou

  A fazerem nos Mouros bravo estrago.

  Daqui, tanto que Bóreas nos ventou,

  Tornamos a cortar o imenso lago

  Do salgado Oceano, e assim deixamos

  A terra onde o refresco doce achamos.

  “Now at his Island was the harbour tane, 9

  that warrior Sanct’Iago’s name did take;

  a Saint who often holp the sons of Spain

  brave slaughtering of the Moorish man to make.

  Hence while a favouring Boreas fanned the Main,

  once more we sped to cut the vasty lake

  of briny Ocean, while beneath the wave

  settled the shore that sweet refreshment gave.

  10

  “Por aqui rodeando a larga parte

  De África, que ficava ao Oriente,

  A província Jalofo, que reparte

  Por diversas nações a negra gente;

  A mui grande Mandinga, por cuja arte

  Logramos o metal rico e luzente,

  Que do curvo Gambeia as águas bebe,

  As quais o largo Atlântico recebe.

  “Compast our courses thence the greater part 10

  of Africk, eastward left her continent:

  The province Joloff which, disposed athwart,

  departs in tribes the Negro ‘habitant;

  mighty Mandinga-land by whose good art

  the rich and lucid ore for us is sent,

  which curved Gambia’s wealth of waters drinketh

  ere in Atlantis’ breadth his current sinketh:

  11

  “As Dórcadas passamos, povoadas

  Das Irmãs, que outro tempo ali viviam,

  Que de vista total sendo privadas,

  Todas três dum só olho se serviam.

  Tu só, tu, cujas tranças encrespadas

  Netuno lá nas águas acendiam,

  Tornada já de todas a mais feia,

  De bívoras encheste a ardente areia.

  “We past the Dorcades, those isles assign’d 11

  of the Weird Sisters erst the home to be,

  who born of several vision reft and blind,

  made single eye-ball serve for all the three:

  Thou, only thou, whose crispy locks entwin’d

  frore Neptune fired’st in his realm, the sea,

  than ev’ery foulest monster fouler still

  the burning sand with viper-brood didst fill.

  12

  “Sempre enfim para o Austro a aguda proa

  No grandíssimo gólfão nos metemos,

  Deixando a serra aspérrima Leoa,

  Co’o cabo a quem das Palmas nome demos.

  O grande rio, onde batendo soa

  O mar nas praias notas que ali temos,

  Ficou, com a Ilha ilustre que tomou

  O nome dum que o lado a Deus tocou.

  “In fine with pointed Prow t’oward Austral shore 12

  across the vastest Guinea Gulf we stray’d,

  leaving the rugged Range where Lyons roar

  and Cape of Palmas called from palmy shade:

  The Rio Grande, where the thund’erous Bore

  roars on our noted coasts, we left and made

  that goodly Island named from him who tried

  to thrust his finger in the God-man’s side.

  13

  “Ali o mui grande reino está de Congo,

  Por nós já convertido à fé de Cristo,

  Por onde o Zaire passa, claro e longo,

  Rio pelos antigos nunca visto.

  Por este largo mar enfim me alongo

  Do conhecido pólo de Calisto,

  Tendo o término ardente já passado,

  Onde o meio do mundo é limitado.

  “There the broad shores of Congo kingdom show, 13

  whilom by us convert to faith of CHRIST,

  where long Zaire’s deep clear waters flow,

  River by men of old unseen, unwist:

  And now in fine the wide-spread seas I plow,

  far from Callisto’s well-known Pole, and list

  to pass the torrid heats beneath the Line,

  which doth the centre of our Sphere define.

  12a Not in Camoens. “S’a Leone,” August, 1874.

  ‘ What sights this lovely scene shall soon unbless,

  the simiad Negro swaying Africk strand;

  inhuman humans, slaves in Freedom’s dress;

  Ah me! what rude and wild and couthless band:

  Females with ne’er a ‘No,’ males dumb to ‘Yes,’

  lust, superstition, ign’orance curse the land;

  fair dwelling-places where the foulest dwe
ll;

  the Blackman’s Heaven, and the White Man’s Hell.”

  14

  “Já descoberto tínhamos diante,

  Lá no novo Hemisfério, nova estrela,

  Não vista de outra gente, que ignorante

  Alguns tempos esteve incerta dela.

  Vimos a parte menos rutilante,

  E, por falta de estrelas, menos bela,

  Do Pólo fixo, onde ainda se não sabe

  Que outra terra comece, ou mar acabe.

  “And now our vision had afront descried, 14

  there in the new half-heaven a meteor new,

  unseen by other men, who or denied,

  or held it doubtful, an ‘twere false or true:

  We saw the Firm’ament’s darker, duller side,

  aye scant of stellar light where stars be few,

  and the fixt Pole where man may not agree

  if other land begin, or end the sea.

  15

  “Assim passando aquelas regiões

  Por onde duas vezes passa Apolo,

  Dois invernos fazendo e dois verões,

  Enquanto corre dum ao outro Pólo,

  Por calmas, por tormentas e opressões,

  Que sempre f az no mar o irado Eolo,

  Vimos as Ursas, apesar de Juno,

  Banharem-se nas águas de Netuno.

  “Thus passing forward we the regions gain, 15

  where twice Apollo’s yearly passage lies,

  twin winters making, and of summers twain,

  while he from Pole to Pole alternate flies:

  Through calms and storms, caprices of the Main,

  of angry AEolus sea-sent tyrannies,

  we saw the Bears, despite of Juno, lave

  their tardy bodies in the boreal wave.

  16

  “Contar-te longamente as perigosas

  Coisas do mar, que os homens não entendem:

  Súbitas trovoadas temerosas,

  Relâmpados que o ar em fogo acendem,

  Negros chuveiros, noites tenebrosas,

  Bramidos de trovões que o mundo fendem,

  Não menos é trabalho, que grande erro,

  Ainda que tivesse a voz de ferro.

  “To tell the many dangers of the deep, 16

  sea-changes landsman never apprehendeth,

  sudden Tornados, storms the seas that sweep,

  Levens, whose fire the depths of air accendeth;

  black nights when Heav’en in rain-flood seems to weep,

  and Thunders bellowing till the welkin rendeth,

  were but lost labour, and would do me wrong,

  e’en were I dower’d with an iron tongue.

  17

  “Os casos vi que os rudos marinheiros,

  Que têm por mestra a longa experiência,

  Contam por certos sempre e verdadeiros,

  Julgando as cousas só pela aparência,

  E que os que têm juízos mais inteiros,

  Que só por puro engenho e por ciência,

  Vêem do mundo os segredos escondidos,

 

‹ Prev