Luis de Camoes Collected Poetical Works
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in this hand aye the Pen, in that the Sword:
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Agora, com pobreza avorrecida,
Por hospícios alheios degradado;
Agora, da esperança já adquirida,
De novo, mais que nunca, derribado;
Agora às costas escapando a vida,
Que dum fio pendia tão delgado
Que não menos milagre foi salvar-se
Que para o Rei Judaico acrescentar-se.
Now sunk by hateful scorned Penury 80
to chew the bitter bit of beggar-bread:
Then mockt by Hope already brought so nigh
to be anew and more than e’er misled:
Then with bare life in hand condemned to fly
where life depended from so fine a thread;
only a greater miracle could save,
than what to Judah’s King new life-lease gave.
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E ainda, Ninfas minhas, não bastava
Que tamanhas misérias me cercassem,
Senão que aqueles, que eu cantando andava
Tal prémio de meus versos me tornassem:
A troco dos descansos que esperava,
Das capelas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram.
And still, my Nymphs! ’twas not enough of pain 81
such sorrow-clouds around my life should close;
but they, for whom I sang the patriot-strain,
with sad return must pay my toils, my throes:
In place of Peace and Rest I hoped to gain,
in lieu of Bay-wreaths bound around my brows,
troubles by men unseen they must invent,
when ills of every kind my soul torment.
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Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valorosos,
Que assim sabem prezar com tais favores
A quem os faz, cantando, gloriosos!
Que exemplos a futuros escritores,
Para espertar engenhos curiosos,
Para porem as coisas em memória,
Que merecerem ter eterna glória!
Behold, ye Nymphs! what high-bred Lords and wise 82
breedeth your Tagus, what a gen’erous race,
who in such fashion with such favours prize
the Bard whose boon hath lent their lordships grace!
For coming writers what examples rise
to raise Man’s genius to its Pride of Place,
to shrine memorious in the Poet’s story
Deeds that deserve to gain eternal glory!
83
Pois logo em tantos males é forçado,
Que só vosso favor me não faleça,
Principalmente aqui, que sou chegado
Onde feitos diversos engrandeça:
Dai-mo vós sós, que eu tenho já jurado
Que não o empregue em quem o não mereça,
Nem por lisonja louve algum subido,
Sob pena de não ser agradecido.
But since such hosts of ills around me lie, 83
let not my Fancy of your favour fail
here chiefest wanted as the goal draws nigh,
that mighty feats wax mightier by my tale:
Aid me you only, long indeed sware I
no grace to grant where good doth not prevail,
and none to flatter whatso their degrees,
on pain of losing all my pow’er to please.
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Nem creiais, Ninfas, não, que a fama desse
A quem ao bem comum e do seu Rei
Antepuser seu próprio interesse,
Inimigo da divina e humana Lei.
Nenhum ambicioso, que quisesse
Subir a grandes cargos, cantarei,
Só por poder com torpes exercícios
Usar mais largamente de seus vícios;
Think not, ah no, my Nymphs! I would enfame 84
the man who dares his country and his King
forget for private interest’s pit’iful claim,
by law of God and Man a felon thing.
Nor poor ambition, whose degraded aim
is to win office, shall my Song e’er sing,
whose only object in th’ ignoble prize
is larger range of Vice and Infamies.
85
Nenhum que use de seu poder bastante,
Para servir a seu desejo feio,
E que, por comprazer ao vulgo errante,
Se muda em mais figuras que Proteio.
Nem, Camenas, também cuideis que canto
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar ao Rei no ofício novo,
A despir e roubar o pobre povo.
None, who misusing pow’ers on him confer’d, 85
makes them the panders of his ugly greed;
none, who to court and cringe before the herd
in change of figure Proteus shall exceed.
From me, Camenae, fear no fav’ouring word
for him who comes, in grave and honest weed,
in new-born rank his King contenting more,
to fleece and flay the miserable poor.
86
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do Rei severamente,
E não acha que é justo e bom respeito,
Que se pague o suor da servil gente;
Nem quem sempre, com pouco experto peito,
Razões aprende, e cuida que é prudente,
Para taxar, com mão rapace e escassa,
Os trabalhos alheios, que não passa.
Nor him who, holding ’tis but just and right, 86
his King’s severest orders to fulfil,
holds it not Justice fitly to requite
the servile brows that weary sweat distil:
Nor him whose bosom, lacking practical light,
seeketh for causes, and by prudent skill
taxeth with niggard heart and hand unfair,
the toils of aliens which he doth not share.
87
Aqueles sós direi, que aventuraram
Por seu Deus, por seu Rei, a amada vida,
Onde, perdendo-a, em fama a dilataram,
Tão bem de suas obras merecida.
Apolo, e as Musas que me acompanharam,
Me dobrarão a fúria concedida,
Enquanto eu tomo alento descansado,
Por tornar ao trabalho, mais folgado.
Only of men I’ll sing the glorious name 87
who risked darling life for God, for King;
when losing life they lengthened life by fame,
and well deserved the best that Bard can sing.
Apollo and the Nine, who with me came,
redoubled fury to my song shall bring
when rest and breathing from my travail tane
I to my toil refresht shall come again.
CANTO OITAVO — CANTO VIII.
ARGUMENT OF THE EIGHTH CANTO.
THE Governor of Calecut seeth various pictures upon the banners of the Armada; and heareth the account of them given by Paul da Gama: Origin of the word “Lusitania”: Glorious feats of the Portugueze Kings (and of their Vassals) till the reign of King D. Afonso V.: The Samori ordereth the Haruspices to consult futurity respecting the Armada: They report to him evil of the Navigators: They attempt to destroy Da Gama who satisfieth the King in a notable speech.
ANOTHER ARGUMENT.
Vem-se de Lusitania os Fundadores,
E aquelles, que por feitos valerosos,
De alt a memoria sao merecedores,
De hymnos, e de versos numerosos:
Como de Calecut os Regedores,
Consult am os Haruspices famosos,
E corruptos com dadivas possantes,
Tratam de destruir os navegantes.
1
Na primeira figura se detinha
O Catual que vira estar pintada,
Que po
r divisa um ramo na mão tinha,
A barba branca, longa e penteada:
“Quem era, e por que causa lhe convinha
A divisa, que tem na mão tomada?”
Paulo responde, cuja voz discreta
O Mauritano sábio lhe interpreta.
TARRIED the Cat’ual, standing mute before 1
the first of painted forms that stood in sight;
who for Device in hand a leaf-branch bore,
with meteor-beard, long-flowing, flossy-white.
“Whose counterfeit presentment this; wherefore
the strange device he holdeth in his right?”
When Paul, with sober accents answering said, —
while the wise Moor for both interpreted: —
2
“Estas figuras todas que aparecem,
Bravos em vista e feros nos aspectos,
Mais bravos e mais feros se conhecem,
Pela fama, nas obras e nos feitos:
Antigos são, mas ainda resplandecem
Colo nome, entre os engenhos mais perfeito
Este que vês é Luso, donde a fama
O nosso Reino Lusitânia chama.
“All of these figures which to thee are shown 2
so bold in bearing, dreadful to behold,
and bolder, dreader far, the men were known
in mouth of Fame, for words and works of old:
Antients yet moderns are, still brighter grown
with names in Genius’ highest rank enrol’d:
This first in sight is Lusus, from whose fame
our ‘ Lusitania’ gained her royal name.
3
“Foi filho e companheiro do Tebano,
Que tão diversas partes conquistou;
Parece vindo ter ao ninho Hispano
Seguindo as armas, que contino usou;
Do Douro o Guadiana o campo ufano,
Já dito Elísio, tanto o contentou,
Que ali quis dar aos já cansados ossos
Eterna sepultura, e nome aos nossos.
“He was the Theban’s son or comrade tried, 3
the God who divers regions overran;
it seems he came to hold our Spanish nide,
pursuing conquests which his youth began:
Douro’s and Guadiána’s plains of pride,
of yore ‘ Elysian Fields,’ his fancy wan
so much, he there would give his weary bones
the Tomb eterne, the term our country owns.
4
“O ramo que lhe vês para divisa,
O verde tirso foi de Baco usado;
O qual à nossa idade amostra e avisa
Que foi seu companheiro e filho amido.
Vês outro, que do Tejo a terra pisa,
Depois de ter tão longo mar arado,
Onde muros perpétuos edifica,
E templo a Palas, que em memória fica?
“The branch-Device, thou see’st him bear in hand, 4
is the green Thyrsus Bacchus wont to wield,
which to our cent’ury doth belief command
he was a comrade or beloved child.
See’st thou you other treading Tagus-land,
the Plow’er who long hath plow’d the wild Sea-field,
where the perpetual walls he reared on high,
and fane of Pallas for all memory?
5
“Ulisses é o que faz a santa casa
A Deusa, que lhe dá língua facunda;
Que, se lá na Ásia Tróia insigne abrasa,
Cá na Europa Lisboa ingente funda.”
— “Quem será estoutro cá, que o campo arrasa
De mortos, com presença furibunda?
Grandes batalhas tem desbaratadas,
Que as águias nas bandeiras tem pintadas.”
“Ulysses ’tis who builds that sacred fane 5
to her, whose favour tongue facund supplies;
if there he fired tall Troy on Asian plain
here made he mighty Lisbon’s walls arise.”
“Who have we here, who cumbers with the slain
the field, whose furious presence frights the eyes?
He drives great armies to disgraceful rout,
and on his banners painted eagles float.”
6
Assim o Gentio diz. Responde o Gama:
— “Este que vês, pastor já foi de gado;
Viriato sabemos que se chama,
Destro na lança mais que no cajado;
Injuriada tem de Roma a f ama,
Vencedor invencível afamado;
Não tem com ele, não, nem ter puderam
O primor que com Pirro já tiveram.
The Gentoo thus, and Gama’s answer came: — 6
“Thou see’st a Herdsman who his flock forsook;
we know that Viriatus was his name,
who aye preferred the Lance before the Crook:
He shook and shattered Roman pride and fame;
from this unvanquisht victor ne’er she took
Ah, no! nor ever could her power take
the primacy which Pyrrhus failed to break.
7
“Com força, não; com manha vergonhosa,
A vida lhe tiraram que os espanta:
Que o grande aperto, em gente ainda que honrosa,
As vezes leis magnânimas quebranta.
Outro está aqui que, contra a pátria irosa,
Degradado, conosco se alevanta:
Escolheu bem com quem se alevantasse,
Para que eternamente se ilustrasse.
“Not force but fraud she used, and underhand 7
she filcht his life that cowed her coward sprite;
for mighty straits make men of honest brand
break the magnan’imous laws of Honour bright.
This other here, against his angry land
with us forgathered, an exiled wight:
Right well chose he the men wherewith to rise,
and of immortal lustre snatch the prize.
8
“Vês? conosco também vence as bandeiras
Dessas aves de Júpiter validas;
Que já naquele tempo as mais Guerreiras
Gentes de nós souberam ser vencidas.
Olha tão subtis artes e maneiras,
Para adquirir os povos, tão fingidas,
A fatídica Cerva que o avisa:
Ele é Sertório, e ela a sua divisa.
“Thou see’st with us he beats the Flags that bear 8
Jove’s valiant birds, victorious, sovereign;
e’en in those days no Braves so brave but wear
our yoke, subjected to our might and main:
See his so subtle arts, his wily care
the people by his deep design to gain;
that Prophet-Hind aye dealing wise advice:
Sertorius he; the Doe is his Device.
9
“Olha estoutra bandeira, e vê pintado
O grã progenitor dos Reis primeiros.
Nós Úngaro o fazemos, porém nado
Crêem ser em Lotaríngia os estrangeiros.
Depois de ter com os Mouros superado,
Galegos e Leoneses cavaleiros,
A casa Santa passa o santo Henrique,
Por que o tronco dos Reis se santifique.”
“See now this other painted flag upon, 9
of our first Kings the great progenitor:
Our Hist’ory makes him to be Hungary’s son,
but strangers say Lorraine the hero bore.
When with the chivalry of proud Leon
and the Gallego he lay low the Moor,
unto Sanct Sep’ulchre saintly Henry hied
that might his kingly trunk be sanctified.”
10
“Quem é, me diz, este outro que me espanta,
(Pergunta o Malabar maravilhado)
Que tantos esquadrões, que gente tanta,
Com tão pouca, tem roto e destroçado?
Tantos muros aspérri
mos quebranta,
Tantas batalhas dá, nunca cansado,
Tantas coroas tem por tantas partes
A seus pés derribadas, e estandartes!”
“Say, prithee, who be this that frights my sight?” 10
(asketh th’ astonied man of Malabar)
“who all these squadrons, all these men of might
with his thin legions thus can rout and mar?
Who breaks such bulwarks proud in breadth and height,
who gives such battle, never tired of war,
who comes so many crowns in many parts
to trample under foot, and estandarts?”
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— “Este é o primeiro Afonso, disse o Gama,
Que todo Portugal aos Mouros toma;
Por quem, no Estígio lago, jura a Fama
De mais não celebrar nenhum de Roma.
Este é aquele zeloso a quem Deus ama,
Com cujo braço o Mouro inimigo doma,
Para quem de seu Reino abaixa os muros,
Nada deixando já para os futuros,
“The First Afonso ’tis,” the Gama spake, 11
“by whom the Moor all Portugalia lost;
for whom Fame sware her oath by Stygian Lake
no more of noble Roman name to boast:
The Zealot he whom God would ne’er forsake
by whose brave arm He tames the Moorish host,
for whom their walled reign He lays so low
no more is left for future days to do.
12
“Se César, se Alexandre Rei, tiveram
Tão pequeno poder, tão pouca gente,
Contra tantos inimigos quantos eram
Os que desbaratava este excelente,
Não creias que seus nomes se estendera
Com glórias imortais tão largamente;
Mas deixa os feitos seus inexplicáveis,
Vê que os de seus vassalos são notáveis.
“Had Caesar, or King Alexander led 12
a power so puny, men-at-arms so few,
against the multitudes unnumbered
this excellent Commander overthrew;
deem not their names had earth thus overspread,
nor could their deathless glories death subdue:
But leave we such inexplicable Deeds
and see what worth of vassal-men he leads.
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“Este que vês olhar com gesto irado
Para o rompido aluno mal sofrido,
Dizendo-lhe que o exército espalhado
Recolha, e torne ao campo defendido;
Torna o moço do velho acompanhado,
Que vencedor o torna de vencido:
Egas Moniz se chama o forte velho,
Para leais vassalos claro espelho.
“This whom thou seest sight with kindling eye 13
his broken pupil, fierce in high disdain
bidding him rally flying hosts, and try
once more the desp’erate fortunes of the plain:
Returneth Youth with Age to do or die,